RISCOS AMBIENTAIS, INTERESSES DIFUSOS E CONFLITOS ASSIMÉTRICOS

11 de janeiro de 2022

Texto da apresentação proferida na Conferência Internacional “Sustentabilidade na Gestão Ambiental. Inovação e desafios para os Países de Língua Oficial Portuguesa”, realizada pela Universidade de Lisboa em 15 de dezembro de 2020.

Quero agradecer à organização do SGA 2020, e o faço na pessoa do professor Manuel Duarte Pinheiro, da Universidade de Lisboa, a quem fui apresentado pela nossa amiga comum, Professora Clauciana Schmidt Bueno de Morais, da UNESP, pela oportunidade do convite e da apresentação neste evento, do qual já extraí, dos ilustres conferencistas que me precederam, importantíssimas lições.

Devo abordar um aspecto humano que se integra com as questões até aqui abordadas, mas que também refoge em parte do foco técnico adotado nos painéis anteriores.

Tenho acompanhado a questão das mudanças climáticas há décadas, por razões profissionais e institucionais.

Presidi a 1ª. Comissão de Meio Ambiente da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção São Paulo, somando três mandatos na coordenação do setor. Presidi também a comissão de juristas formada pela OAB, encarregada de apresentar uma consolidação das leis ambientais brasileiras, no mesmo ano da Conferência da ONU sobre ambiente e desenvolvimento, no Rio de Janeiro, em 1992. Atuei na direção de outros organismos e comitês, bem como na implementação de organismos de sociedade civil e de programas integrados, em apoio ao governo brasileiro e a organismos multilaterais.

Pude coordenar o grupo de estudos que elaborou o texto apresentado pelo brilhante Deputado Mendes Thame, digno relator do Projeto de Lei da Política Nacional de Mudanças Climáticas no Congresso Nacional, convertido no marco legal brasileiro, em vigor desde 2009.

Como membro do grupo de transição do atual governo federal, elaborei, a pedido do ministro de meio ambiente, as notas técnicas, com teor bastante crítico, sobre a estrutura de tutela federal da questão climática, em 2019.

Infelizmente, nada foi seguido pelo governo, de forma que reforço minha preocupação com a condução de todo esse processo em nosso país, atualmente.

Por isso vejo como importante tarefa observar que a gestão de risco deve abranger aspectos de ordem política e macro política, pois a resposta institucional advém desses aspectos e, no fim, destina-se a também resolver esses aspectos.

Feitas essas observações, vou entrar no tema proposto.

O Conflito Assimétrico

O mundo encontra-se assolado por assimetrias.

Vivemos um estágio de acomodação dos instrumentos públicos de governança e controle territorial às demandas de terceira geração do Estado Moderno.

Esta 3ª geração de demandas é marcada pela incidência hegemônica dos interesses e direitos difusos, sobre os direitos individuais e coletivos que marcaram, respectivamente, a primeira e a segunda geração de direitos do Estado Moderno.

Dentre as mais variadas demandas, concentram as maiores assimetrias as demandas por autonomia (étnica, nacional, comunitária, territorial, identitária etc.), as demandas por participação (nos mais variados mecanismos de decisão), e as demandas por satisfação (reconhecimento de gênero, busca por qualidade de vida, afirmação religiosa, inclusão social, político-ideológica, etc.). 1 

Todos estes interesses têm sido demandados, reivindicados, reconhecidos como direitos, rejeitados ou implementados, não sem sacrifício de vidas humanas, transgressões, instabilidade, insurgências, revoluções e conflitos bélicos entre nações.

A conformação das estruturas de Estado à conflituosidade intrínseca dos interesses e direitos difusos, por sua vez, acirra ainda mais a assimetria dos conflitos, perenizando sua existência.

Interesses difusos são aqueles indivisíveis, transindividuais e de titularidade indeterminada – não se podendo precisar quantos demandam o interesse, um local determinado ou mesmo definir a natureza dos próprios interessados. Esses interesses, portanto, são por natureza assimétricos e conflituosos.

Enquadram-se neste campo as demandas por qualidade de vida, saúde, equilíbrio ecossistêmico, saneamento ambiental e mudanças do clima.

Ocorrem, por exemplo, na intervenção das forças de segurança de Estado nas favelas do Rio de Janeiro. Também são percebidas quando se implanta um “bunker” imobiliário (cheio de segurança), em bairro tradicional consolidado na cidade de São Paulo – seja um shopping center ou um condomínio fechado.

De fato, essas demandas estão presentes no mundo, na implantação de uma usina hidrelétrica na região amazônica, no estabelecimento de normas teocráticas no sistema laico da política da Turquia, no conflito palestino-israelense na faixa de gaza e Cisjordânia, na afirmação nacional do Curdistão face ao Iraque, na legalização do casamento entre homossexuais nos EUA ou no combate à disparidades de ganhos entre cidadãos comuns e funcionários públicos qualificados, denunciados no parlamento grego.

Várias dessas demandas encontram-se banhadas por muito sangue. Outras são atendidas de forma pacífica. Todas, no entanto, permanecerão intrinsecamente conflituosas, latentes ainda que momentaneamente “pacificadas”.2

O Estado moderno, em que pese possuir instrumentos legais que conceituam e reconhecem interesses difusos, desconhece oficialmente a aplicação da tutela estatal à realidade material dessas assimetrias. E elas se agravam com os impactos decorrentes das emergências climáticas.

Por conta desse paradoxo, tornou-se o Estado vulnerável a riscos para além dos normalmente tratados pelas ferramentas de gestão territorial ambiental.

 

Conflitos humanitários e mudanças do clima

As assimetrias decorrentes dos conflitos humanitários são profundamente ampliadas pelas crises ambientais e climáticas.

Refugiados de conflitos bélicos e guerras civis se somam aos refugiados ambientais, estes provindos de regiões afetadas pela escassez de água, alterações radicais do clima, desastres naturais e degradações conexas.

Um estudo intitulado “Riscos de Conflito Armado Incrementados por Desastres Climáticos em Países Etnicamente Fracionados” (Armed-conflict risks enhanced by climate-related disasters in ethnically fractionalized countries), foi publicado em 2016, pelo Proceedings of the National Academy of Sciences – PNAS. Ele revela uma importante linha de pesquisa para definir fatores de risco na interação dos eventos climáticos com os conflitos humanos.3

Os pesquisadores do Instituto Potsdam para Pesquisa de Impacto do Clima – os autores do estudo, encontraram uma taxa de correlação de 9% entre conflitos humanos e desastres naturais – como ondas de calor ou seca.

A pesquisa do Instituto também revela que cerca de 23% dos conflitos armados, entre 1980 e 2000, em países com muitas diferenças étnicas, coincidem com calamidades climáticas.

O estudo evidencia que divisões étnicas desempenham um papel importante em muitos conflitos armados em todo o mundo e podem servir como linha para determinar conflitos e tensões sociais decorrentes de eventos perturbadores – como desastres naturais.

A observação dessa interação étnico-climática tem implicações importantes para políticas de segurança nas regiões mais propensas a conflito, como norte da África, África Central e Ásia Central – áreas vulneráveis tanto à ação humana sobre o clima quanto marcadas por profundas divisões étnicas.

A Universidade Autônoma de Barcelona, juntamente com 23 universidades e organizações de justiça ambiental de 18 países, organizou anos atrás um mapa dos conflitos ambientais pelo mundo.

O projeto foi desenvolvido sob responsabilidade do EJOLT – Environmental Justice Organizations, Liabilities and Trade, um grupo europeu de organizações de justiça ambiental. 4

A própria Organização das Nações Unidas apontou o problema em meados de 2014, quando o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, expressou sua preocupação. “Deixar as pessoas sem água potável é violação de um direito humano fundamental.

Pôr a população civil como alvo e negar-lhe fornecimentos essenciais é uma clara violação dos direitos humanos e do direito humanitário internacional”, afirmara Ban Ki-moon.

O Secretário Geral da ONU se referia ao uso da água como arma de guerra e de segregação social.

O fator importante que reforça essa segregação advém obviamente das mudanças climáticas.

As secas ocorridas na Síria e na Somália, por exemplo, contribuíram de forma determinante para o conflito armado e guerra civil nestes países. Seca prolongada também constituiu fator decisivo no Iraque e Afeganistão. Todas essas regiões sofrem com problemas relativos à segregação étnico-religiosa.

Nossa história, antiga, clássica e contemporânea, guarda momentos de interação explosiva entre os mesmos fatores, ocorridos no continente europeu e americano. 5

O risco para o Estado de Direito

Esse ambiente de risco expõe o Estado de Direito à infiltração de segmentos, organizações e facções, com interesses de natureza proselitista, religiosa, política, ideológica e criminosa, seja no seu território, seja na sua estrutura.

Há hoje uma fragilização generalizada ante a ação organizada de movimentos sociais, identitários, racialistas, organizações internacionais, quadrilhas e até movimentos paramilitares, sem que se divise com a devida inteligência os interesses difusos em causa e, também, discrimine dentre eles os interesses efetivamente demandados, instrumentalizados ou pretextados.

Assim é preciso entronizar o conceito de assimetria e compreender o alcance das demandas assimétricas e dos conflitos de natureza híbrida para muito além dos bancos acadêmicos, doutrinas jurídicas e decisões judiciais de caráter estritamente ambiental.

Deve-se organizar e capacitar os agentes de gestão para implementar mecanismos de combate e resolução de conflitos assimétricos complexos, caso contrário dificilmente se conseguirá firmar autoridade, controlar o território e afirmar soberania – em especial quanto  aos eventos climáticos extremos e ás medidas de prevenção e controle de emissões, cuja consciência social do fato e suas consequências é inversamente proporcional aos interesses econômicos em causa, afetados pelas medidas de controle. 6

O conflito assimétrico de quarta geração

No campo da política e da geografia humana, conflitos de interesses difusos, além da inata assimetria, possuem natureza híbrida – transcendem questões territoriais, ganham espectros midiáticos, ativam componentes emocionais, envolvem atores não governamentais, carregam conotação político-ideológica – ligada ou não a questões de ordem étnico-racial ou religiosa.

O acirramento do conflito pode desembocar em uma Guerra de Quarta Geração, que se desenrola sem que venha algum dia ser declarada ou mesmo travada por forças diretamente interessadas.

“Guerra de quarta geração” é um conceito militar advindo da doutrina israelense. Designa um conflito multidimensional, abrangendo ações para além das manobras convencionais ou ações de forças regulares ou atores legalmente tipificados.

No campo geográfico, transcende dimensões físicas – terra, mar e ar.

Envolve o espectro eletromagnético e o ciberespaço, a corrupção e desmantelamento do sistema judiciário e de segurança – faz uso da lawfare visando causar desorganização da governança.

Nesse novo contexto estratégico, o “inimigo” pode não ser um Estado organizado, mas um grupo terrorista ou organização criminosa, o sistema financeiro, complexos industriais ou mesmo organizações não governamentais aparentemente bem intencionadas, que a princípio usam métodos híbridos para fazer o conflito progredir.

Há nesses tipos de conflitos, emprego intensivo de táticas, técnicas e procedimentos de guerra irregular, contrainformação, desinformação, subversão, guerrilha e terrorismo.

Admite-se o uso recorrente de proselitismo, ações midiáticas e arregimentação de quadros por redes de relacionamento, vínculos ambientais ou redes sociais. A figura do “inimigo interno” não pode ser de forma alguma descartada.

Interesses difusos, por sua conflituosidade intrínseca, constituem, portanto, plataforma ideal para a guerra assimétrica. 7

 

 

Qual a resposta institucional do Estado a isso?

No campo da ciência do direito, os Estados Nacionais têm procurado preventivamente desenvolver instrumentos legais de mediação, arbitragem, ajustamento de conduta e tutela coletiva, visando justamente se antecipar aos conflitos e impedir que se tornem nocivos à governança.

Também têm procurado aperfeiçoar mecanismos de decisão, resolução de crises e controle social, tornando mais permeáveis e participativos os fluxos de tomada de decisão.

Porém, quanto mais avança o Estado Democrático de Direito, no sentido da inclusão de interesses difusos no rol de matérias institucionalmente tuteladas – mais é necessário definir novos instrumentos de inteligência e de repressão às facções radicais e organizações criminosas – que se alimentam da conflituosidade intrínseca dos interesses em causa.

Não raro, minorias transformam-se em “escudos humanos” para campanhas de desconstrução da ordem legal. Refugiados ambientais, povos indígenas, quilombolas, populações tradicionais isoladas, ribeirinhas ou insulares, podem desequilibrar projetos nacionais, planos de investimentos logísticos, hoteleiros, energéticos e silvo-agro-pastoris.

Alterações climáticas provocadas por ações antrópicas descontroladas, por sua vez, podem mesmo relativizar a soberania de países desatentos à questão e provocar ações de nações direta e indiretamente afetadas pelo desequilíbrio ambiental em curso.

Entramos no campo da relativização da soberania nacional – algo que pode ser observado como uma disrupção já em andamento no campo do direito internacional.

Nesse campo, direitos humanos podem ser propositadamente diluídos em uma explosiva mistura liberticida, visando consolidar interesses facciosos.

O conflito assimétrico, portanto, para muito além dos instrumentos de previsão, prevenção, comando e controle – deve demandar inteligência integrada para seu gerenciamento.

Isso deve ocorrer pois os conflitos assimétricos abrigam variadas formas e instrumentos de constrição e coação, aplicados por organizações e interesses difusos de diferentes matizes – da criminalidade comum à barbárie religiosa.

Na lawfare, repito, proselitismos tornam-se doutrina e costumam ser utilizados nos cenários de conflituosidade intrínseca (interesses difusos), conferindo risco jurídico e insegurança institucional. 8

Nesse sentido, o foco institucional para equacionar o conflito é agir com método, caracterizando, delimitando e identificando a natureza do conflito e seus atores.

Assim, é importante, ao lidarmos com conflitos de natureza “híbrida”, compreendermos as formas de pressão assimétrica organizadas, sistematizando-as, pois que caracterizam a progressão proposital do conflito em direção à crise, visando, quem sabe, até mesmo eclodir uma guerra de quarta geração.

Sistemas internacionais de securitização e gerenciamento de crises, atentos á conexão desses conflitos com a geopolítica já estão se mobilizando.

É o caso do International Military Council on Climate and Security – IMCCS – uma organização de líderes militares da reserva e ex dirigentes do setor de defesa dedicados a analisar e antecipar cenários estratégicos sobre o impacto do clima e a sustentabilidade na área da defesa e segurança.

Recentemente a entidade apresentou relatório analisando os riscos para o Brasil, dos fenômenos climáticos.

O relatório é extenso, mas dentre os pronunciamentos da entidade sobre o trabalho, vale a pena destacar o da subsecretária de Defesa dos EUA no governo Obama e Secretária Geral do ICCMS, Sherri Goodman, nos termos seguintes:

“A mudança climática é um risco existencial para todas as sociedades e uma questão de segurança humana e nacional.

O Brasil enfrenta uma série de desafios de desenvolvimento agravados recentemente pela pandemia Covid-19 – um fenômeno que continua a impactar desproporcionalmente as comunidades mais vulneráveis ​​do país.

A degradação ambiental (mais especificamente o desmatamento recorde), junto com a nova dinâmica da mudança climática regional, agravará as consequências da pandemia e retardará os esforços de recuperação do Brasil.

Como constata este importante relatório do IMCCS Brasil, secas prolongadas que afetam gravemente os estados agrários e as megacidades podem se tornar uma nova normalidade, pois os padrões de chuva não tradicionais interrompem o fornecimento de água e hidroeletricidade.

Usando a previsão sem precedentes disponível por meio de análises estratégicas e ciência de dados, o Brasil deve avaliar seus riscos de mudanças climáticas (incluindo riscos para os interesses estratégicos, regionais e internacionais do Brasil) e desenvolver planos nacionais para enfrentar a gama de ameaças que as mudanças climáticas representam para sua segurança humana e nacional.

É do interesse do Brasil tornar a nação à prova do clima. ” 9

Esse pronunciamento já nos dá uma ideia da dimensão dos conflitos geopolíticos que deveremos, em breve, enfrentar. no Brasil, em relação ao posicionamento de blocos europeus, dos Estados Unidos e dos países asiáticos – em especial Japão e China – tradicionais parceiros econômicos de nosso país.

Tenho para mim que é mais do que nunca necessário aplicarmos o conceito que denomino soberania afirmativa, pois o movimento de relativização da soberania exige que o Estado Nacional exerça efetivo controle territorial e demonstre autoridade na gestão ambiental, como forma de afirmar sua vontade soberana. 10 

Essa questão nos remete também aos continentes mais afetados pelas mudanças climáticas – África e Oceania, aos países insulares e aos biomas que devem ser especialmente preservados, como é o caso da Amazônia.

A Lawfare climática

No campo da lawfare, já podemos observar, no Brasil, as primeiras ações civis públicas cobrando ações de entes públicos e privados, conforme princípios e preceitos estatuídos pelo Tratado e protocolos internacionais sobre mudanças climáticas, e nossa legislação pátria.

O judiciário brasileiro é um importante esteio da democracia brasileira, e se trata de instituição sensível a ações ativistas e mesmo inovadoras.

Há, no entanto, uma tendência no judiciário brasileiro de aplicar o pan-principialismo na resolução de conflitos complexos – muitas vezes redesenhando a norma legal – algo muito criticado por vários juristas, pois gera insegurança, ou disrupções imprevistas.

Chamamos esse fenômeno de “ativismo judicial”. Assim, o componente judiciário, também é fator a ser considerado no gerenciamento de risco ambiental, envolvendo o clima.

Hoje, nesta data de 15 de dezembro, nos chega às mãos um exemplo:

Um caso climático a ser decidido no Superior Tribunal de Justiça, a corte federal de uniformização de jurisprudência infraconstitucional, imediatamente abaixo do Supremo Tribunal Federal.

Em decisão monocrática publicada hoje (15/12), o Min. Benedito Gonçalves conheceu em parte do Recurso Especial (REsp1856031-SP) interposto pelo MPSP no âmbito de ação movida contra a companhia aérea KLM, e negou-lhe provimento. 11

Em essência, o MPSP busca nesta ação a imposição de medidas de mitigação e compensação de danos alegadamente provocados pela emissão de gases de efeito estufa durante pousos, decolagens e manobras no aeroporto internacional de Guarulhos – o maior da América Latina.

Outras ações semelhantes foram ajuizadas contra outras empresas aéreas, com desdobramentos próprios.

Pontos de destaque considerados na recente decisão (sem entrar, aqui, no mérito quanto à pertinência destes entendimentos): (i) trata-se de atividade lícita; (ii) caberia à Agência Nacional de Aviação Civil regular a matéria (havendo, inclusive, iniciativas da Agência neste sentido); e (iii) a intervenção do Judiciário, assim, violaria os princípios da separação dos Poderes e da segurança jurídica.

Até quando teremos ministros mais conservadores em nossos tribunais superiores… mantendo a segurança jurídica, dependerá de extirparmos o populismo – que ressurge em vários países, em vários continentes, de nosso ambiente político.

É necessário, portanto, nos debruçarmos sobre a questão – construirmos uma estrutura institucional e um sistema integrado de segurança e clima, para muito além dos debates científicos (igualmente necessários), sobre impactos no ambiente natural ou nas economias formais dos países democraticamente governados.

Obrigado. 

Notas:

1- PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro – “Neoparamilitarismo, Conflitos Assimétricos, Interesses Difusos e Guerra de 4ª Geração”, in Blog “The Eagle View”, 22Outubro2015, visto em 15Dez2020, in https://www.theeagleview.com.br/2015/09/paramilitarismo-direito-e-conflitos-de.html

2- PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro – “A Grande Revolução Digital- Parte II” , in Blog “The Eagle View”, 16Junho2014, visto em 15Dez2020, in https://www.theeagleview.com.br/2014/06/quick-notes-do-aguia-junho-de-2014-o.html

 

3- SCHLEUSSNER, Carl-Friederich & outros – « Armed-conflict risks enhanced by climate-related disasters in ethnically fractionalized countries », in PNAS – Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, 16Agosto2016, visto em 15Dez2020, in  https://www.pnas.org/content/113/33/9216

 

4- AMBIENTE LEGAL – Redação – “Lançado Mapa dos Conflitos Ambientais no Mundo”, in Portal Ambiente Legal, visto em 22/08/2016, in  http://www.ambientelegal.com.br/lancado-mapa-dos-conflitos-ambientais-no-mundo/

 

5- PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro – “Clima + Conflito Étnico = Guerra”, in Blog “The Eagle View”, 22Agosto2016, visto em 15Dez2020, in https://www.theeagleview.com.br/2016/08/clima-conflito-etnico-guerra.html

6- idem nota 1

 

7- idem nota 1

 

8- idem nota 1

9 – Expert Group of the IMCCS – « Climate and Security in Brazil », Internacional Military Council on Climate and Security – Washington-DC, USA, 30Nov2020, visto em 15Dez2020, in https://imccs.org/climate-and-security-in-brazil/

10- PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro – “Soberania Afirmativa”, in blog “The Eagle View”, 23Set2013, visto em 15Dez2020, in https://www.theeagleview.com.br/2013/09/soberania-afirmativa-sobre-nosso.html 

11-  STJ – Recurso Especial n. 1856031-SP (2020/0001750-7), Rel. Min. Benedito Gonçalves – DOJ Edição nº 0 – Brasília, Documento eletrônico VDA27480368 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 / Signatário(a): BENEDITO GONÇALVES Assinado em: 14/12/2020 14:58:43/ Publicação no DJe/STJ nº 3047 de 15/12/2020. Código de Controle do Documento: df4d1538-788b-459e-97d0-d104af8530ca

Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa – API. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View”.



Autor: Antonio Fernando Pinheiro Pedro

Por Pinheiro Pedro Advogados 23 de outubro de 2025
Sancionada pelo Presidente Lula agora no mês de outubro, a Lei nº 15.228/2025, que institui o chamado Estatuto do Pantanal , é o primeiro marco legal federal voltado especificamente à conservação, restauração e uso sustentável desse bioma único. A matéria segue agora para sanção presidencial, marcando um passo histórico no arcabouço jurídico-ambiental brasileiro. Um vácuo jurídico que se encerra Apesar de o artigo 225 da Constituição Federal reconhecer o Pantanal como patrimônio nacional, até então inexistia legislação federal exclusiva que tratasse de sua proteção. A lacuna vinha sendo preenchida pela aplicação de normas ambientais gerais ou por legislações estaduais de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Essa ausência gerava insegurança regulatória e dificuldades de harmonização entre as práticas produtivas, a conservação ambiental e o desenvolvimento socioeconômico. Em 2024, inclusive, o Supremo Tribunal Federal (STF) havia determinado que o Congresso legislasse sobre o tema, pressionando pela criação de um marco normativo específico. O que dispõe o Estatuto do Pantanal A nova lei inova ao estabelecer diretrizes próprias para o bioma. Entre seus principais pontos, destacam-se: · Uso sustentável e compatível : qualquer atividade econômica no Pantanal deverá atender a critérios de sustentabilidade, prevenindo a exploração predatória. · Manejo do fogo : a utilização do fogo passa a ser permitida apenas em situações específicas, como prevenção de incêndios, pesquisas científicas, manejo integrado e práticas culturais de comunidades tradicionais. Em todos os casos, é necessária autorização prévia do órgão ambiental competente e apresentação de plano de uso. · Selo “Pantanal Sustentável” : cria-se um mecanismo de certificação para bens e serviços produzidos de forma sustentável, inclusive em atividades turísticas, agregando valor econômico às práticas compatíveis com a conservação. · Financiamento e incentivos : o texto prevê o uso de recursos do Fundo Nacional do Meio Ambiente, doações e fundos patrimoniais para custear programas de conservação e pagamento por serviços ambientais. · Integração federativa : as metodologias e regulamentos já adotados por Mato Grosso e Mato Grosso do Sul poderão ser aproveitados, evitando sobreposição de normas e valorizando experiências consolidadas. · Valorização cultural : reconhece o uso tradicional do fogo e práticas ancestrais de comunidades pantaneiras, respeitando sua identidade e modo de vida. Relevância jurídica e socioambiental A aprovação da lei representa não apenas um avanço regulatório, mas também um marco simbólico: é o reconhecimento, em nível federal, de que o Pantanal demanda tratamento diferenciado e normatização específica. Para o setor jurídico, a norma tende a reduzir conflitos de interpretação, já que muitas vezes atividades lícitas sob a ótica estadual esbarravam em entendimentos mais restritivos de normas federais gerais. Agora, o Estatuto confere maior segurança jurídica a empreendedores, comunidades e órgãos ambientais. Além disso, a criação do selo de certificação pode estimular cadeias produtivas sustentáveis, conectando conservação ambiental com ganhos econômicos. Do ponto de vista internacional, a medida também reforça a imagem do Brasil como país comprometido com a preservação de seus biomas, o que pode gerar reflexos positivos em acordos comerciais e ambientais. Vem desafio por aí! Apesar dos avanços, a efetividade da lei dependerá de fatores cruciais: 1. Estrutura de fiscalização : a legislação só terá efeito prático se houver capacidade de monitoramento, o que exige fortalecimento institucional nos estados e na União. 2. Recursos financeiros contínuos : sem repasses estáveis e planejamento orçamentário, os instrumentos de incentivo podem se tornar meramente declaratórios. 3. Harmonização normativa : será preciso compatibilizar as regras federais com legislações estaduais já vigentes, evitando conflitos de competência e sobreposição de obrigações. 4. Regulamentação detalhada : conceitos como “uso sustentável” e “manejo controlado” precisam ser devidamente definidos em regulamentos, sob pena de abertura para litígios e judicializações. 5. Participação social : a efetividade dependerá do envolvimento de comunidades tradicionais, produtores locais e entidades da sociedade civil, garantindo legitimidade e adequação às realidades regionais. Finalizando, podemos considerar que a criação do Estatuto do Pantanal encerra uma lacuna histórica e inaugura um novo ciclo de políticas ambientais para o bioma. Contudo, como ocorre em muitas áreas do direito ambiental, a distância entre a norma e a realidade prática ainda é significativa. Cabe ao Poder Público assegurar meios para a execução da lei e à sociedade civil acompanhar e fiscalizar sua implementação. Já ao setor produtivo e às comunidades locais, abre-se a oportunidade de alinhar desenvolvimento econômico com práticas sustentáveis, construindo um modelo de gestão que preserve o patrimônio natural e cultural pantaneiro. Em última análise, trata-se de um avanço normativo que precisa ser consolidado por meio de ação coordenada, financiamento estável e efetiva fiscalização , sob pena de transformar-se em um marco legal sem efetividade prática.
Por Pinheiro Pedro Advogados 23 de setembro de 2025
Em abril de 2025 foi sancionada a Lei nº 15.126, que acrescenta ao marco legal do Sistema Único de Saúde (SUS) o princípio da atenção humanizada. A norma representa um avanço no campo legislativo da saúde pública ao reconhecer, de forma expressa, que o atendimento ao paciente deve considerar não apenas aspectos físicos, mas também dimensões emocionais, subjetivas e sociais que compõem o cuidado em saúde. O que diz a lei A nova legislação altera a Lei Orgânica da Saúde (Lei nº 8.080/1990), reforçando que os serviços do SUS devem ser pautados pela atenção integral e humanizada. Na prática, isso significa que o Estado assume o dever de assegurar que o tratamento não se limite à prescrição médica ou ao controle de sintomas, mas envolva também: acolhimento adequado às necessidades do paciente; respeito à dignidade e singularidade de cada indivíduo; valorização da escuta, do vínculo e da participação do paciente no próprio cuidado; promoção de políticas públicas que reconheçam a saúde como fenômeno biopsicossocial. Mudanças práticas Embora o princípio da humanização já estivesse presente em políticas do Ministério da Saúde — como a Política Nacional de Humanização (PNH) —, sua inclusão em lei fortalece o caráter jurídico da obrigação. Isso cria: maior respaldo legal para usuários do SUS que se sintam desrespeitados ou vítimas de atendimento desumanizado; parâmetro normativo para o Poder Judiciário em casos de litígios envolvendo negativa de atendimento, internações e tratamentos; obrigação mais clara para gestores públicos e profissionais de saúde no planejamento e execução dos serviços. Em especial na área de saúde mental, a lei reforça a diretriz da Reforma Psiquiátrica (Lei nº 10.216/2001), garantindo que pessoas em sofrimento psíquico recebam tratamento digno, baseado em cuidado integral e não apenas em medidas medicalizantes ou hospitalares. Impacto nos planos de saúde privados Embora a Lei nº 15.126/2025 se destine diretamente ao SUS, seus efeitos podem ultrapassar o sistema público. Isso porque: Parâmetro interpretativo: princípios reconhecidos em lei costumam ser invocados pelo Judiciário como referência também para a saúde suplementar. Assim, pacientes de planos de saúde podem se valer do conceito de atenção humanizada em ações judiciais para exigir tratamentos mais abrangentes e respeitosos. Pressão regulatória: a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) pode, futuramente, adotar resoluções que alinhem os planos privados às diretrizes de humanização, acompanhando a evolução normativa do SUS. Proteção do consumidor: pelo Código de Defesa do Consumidor, operadoras de saúde devem prestar serviços adequados, eficientes e seguros. A incorporação do princípio da atenção humanizada ao ordenamento pode reforçar o entendimento de que a ausência de acolhimento digno configura falha na prestação do serviço. É bom refletir A inclusão do princípio da atenção humanizada no marco legal da saúde brasileira consolida uma tendência: reconhecer que o cuidado deve abranger corpo, mente e contexto social. Para pessoas em vulnerabilidade psiquiátrica, esse respaldo jurídico é ainda mais significativo, pois assegura a possibilidade de reivindicar atendimento digno e integral em momentos de fragilidade. No campo da saúde suplementar, embora a lei não imponha obrigações imediatas aos planos privados, cria bases para que a humanização se torne parâmetro também na iniciativa privada, seja por via judicial, seja por futuras normativas regulatórias. Neste Setembro Amarelo, quando se intensificam as reflexões sobre saúde mental e prevenção do suicídio, a sanção dessa lei ganha relevo adicional. Ela reafirma que o direito à saúde não se limita ao tratamento de doenças, mas envolve o acolhimento humano, a escuta atenta e a valorização da dignidade em todas as etapas do cuidado. Assim, a Lei nº 15.126/2025 não apenas fortalece o SUS, como também abre caminho para uma visão mais ampla e inclusiva do direito à saúde, em sintonia com os desafios contemporâneos da saúde mental e com a urgência de políticas públicas sensíveis à condição humana.
Por Pinheiro Pedro Advogados 17 de setembro de 2025
Nos últimos anos, a digitalização tem impactado diversas áreas da vida social e econômica, e o Direito não é exceção. Um exemplo recente desse movimento é o crescimento do interesse por testamentos digitais e pela utilização de ferramentas tecnológicas no planejamento sucessório em vida. O que é o testamento digital? O testamento, em sua essência, é o ato jurídico pelo qual uma pessoa dispõe de seus bens, direitos e vontades para depois de sua morte. A versão “digital” desse instituto refere-se a disposições de última vontade elaboradas e registradas por meio eletrônico, seja em plataformas digitais, seja em documentos armazenados em nuvem ou em dispositivos pessoais. Ainda que a expressão “testamento digital” seja cada vez mais mencionada, é importante destacar que a legislação brasileira não possui, até o momento, uma disciplina específica sobre o tema. Isso significa que, para que o documento tenha validade jurídica, é necessário observar as formas tradicionais de testamento previstas no Código Civil: o público, o cerrado e o particular. Assim, ainda que o conteúdo esteja armazenado em meio digital, o instrumento precisa respeitar os requisitos legais – como testemunhas, formalização em cartório ou escritura pública, a depender da modalidade escolhida. Patrimônio digital e novas questões jurídicas Além da disposição de bens materiais, a era digital trouxe à tona um novo campo de debate: o patrimônio digital. Perfis em redes sociais, contas em plataformas de streaming, acervos digitais, criptomoedas e demais ativos virtuais passaram a fazer parte da sucessão. A destinação desses bens imateriais levanta desafios jurídicos, uma vez que a legislação atual ainda não trata de forma detalhada a sucessão de direitos digitais. Planejamento sucessório em vida Paralelamente ao testamento, observa-se o crescimento da prática do planejamento sucessório em vida. Trata-se da adoção de medidas jurídicas que permitem organizar previamente a transferência do patrimônio, assegurando clareza e reduzindo riscos de litígios entre herdeiros. Instrumentos como a doação em vida, a constituição de holdings familiares, pactos sucessórios e outros mecanismos podem ser utilizados dentro dos limites legais. Além de oferecer maior previsibilidade, o planejamento sucessório contribui para a preservação da harmonia familiar e pode, em alguns casos, otimizar aspectos tributários relacionados à transmissão de bens. Desafios e perspectivas O cenário atual evidencia um paradoxo: de um lado, há uma demanda crescente por soluções digitais voltadas à sucessão patrimonial; de outro, existe uma lacuna normativa que ainda demanda regulamentação específica. Nesse contexto, é essencial que a sociedade e os operadores do Direito acompanhem as mudanças tecnológicas, ao mesmo tempo em que respeitam os marcos legais vigentes. Enquanto o legislador não estabelece regras próprias para o testamento digital, o caminho seguro é alinhar as inovações tecnológicas com os formatos já previstos no Código Civil. Assim, garante-se que a manifestação de vontade tenha validade e eficácia jurídica.