Teses da Primeira Seção consagram direito à informação ambiental e obrigação do Estado com a transparência

15 de dezembro de 2022

Após decisão, MPF edita orientação sobre tais informações no registro de imóveis


Em julgamento do Incidente de Assunção de Competência (IAC 13), a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu quatro teses relativas ao direito de acesso à informação no direito ambiental, à possibilidade de registro das informações em cartório e à atuação do Ministério Público em tais questões. As teses foram as seguintes:


1. O direito de acesso à informação no direito ambiental brasileiro compreende: i) o dever de publicação, na internet, dos documentos ambientais detidos pela administração não sujeitos a sigilo (transparência ativa); ii) o direito de qualquer pessoa e entidade de requerer acesso a informações ambientais específicas não publicadas (transparência passiva); e iii) o direito a requerer a produção de informação ambiental não disponível para a administração (transparência reativa);


2. Presume-se a obrigação do Estado em favor da transparência ambiental, sendo ônus da administração justificar seu descumprimento, sempre sujeita a controle judicial, nos seguintes termos: i) na transparência ativa, demonstrando razões administrativas adequadas para a opção de não publicar; ii) na transparência passiva, de enquadramento da informação nas razões legais e taxativas de sigilo; e iii) na transparência ambiental reativa, da irrazoabilidade da pretensão de produção da informação inexistente;


3. O regime registral brasileiro admite a averbação de informações facultativas sobre o imóvel, de interesse público, inclusive as ambientais;


4. O Ministério Público pode requisitar diretamente ao oficial de registro competente a averbação de informações alusivas a suas funções institucionais.


Nos termos do artigo 947 do Código de Processo Civil de 2015, o IAC é admissível quando o julgamento de recurso envolver relevante questão de direito, com grande repercussão social, sem repetição em múltiplos processos. O IAC está entre os precedentes qualificados de observância obrigatória pelos juízes e tribunais, conforme o artigo 927, inciso IIII, do CPC/2015.


A Quarta Câmara de Coordenação e Revisão (4ª CCR) do Ministério Público Federal (MPF) publicou uma orientação aos procuradores para que eles requeiram, quando for pertinente, a averbação de informações ambientais diretamente ao oficial de registro imobiliário.


A orientação do MPF é embasada na decisão tomada em maio deste ano pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do Incidente de Assunção de Competência (IAC) 13, relatado pelo ministro Og Fernandes.


Especializada em meio ambiente e patrimônio cultural, a 4ª CCR do MPF atua por meio de grupos de trabalho, projetos e ações coordenadas em defesa desses interesses, além de publicar documentos para orientar a atuação dos procuradores em todo o Brasil.


Informação ambiental é elemento primordial da democracia


No julgamento do IAC 13, o ministro Og Fernandes explicou que o debate sobre o assunto diz respeito à incidência da Lei de Acesso à Informação (LAI) e da Lei de Acesso à Informação Ambiental.


Segundo o relator, o acesso à informação ambiental é elemento primordial, "transcendente e magnético", em tudo aquilo que diga respeito à coisa pública e à democracia, em especial nas matérias ecológicas. Em seu voto, Og Fernandes destacou que a atuação do MP em casos envolvendo questões ambientais é, costumeiramente, uma medida extrema com o fim de impor deveres na esfera ambiental, em um contexto de descumprimento de obrigações pelo Estado.


Ele afirmou que, embora a Lei de Registros Públicos não imponha a averbação da Área de Proteção Ambiental (APA) na matrícula dos imóveis abrangidos pela unidade de conservação, tampouco há impedimento legal.


Ficou definido no acórdão da Primeira Seção, entre outros pontos, que "o regime registral brasileiro admite a averbação de informações facultativas sobre o imóvel, de interesse público, inclusive as ambientais"; e, ainda, que "o Ministério Público pode requisitar diretamente ao oficial de registro competente a averbação de informações alusivas a suas funções institucionais".


A orientação da 4ª CCR ratifica os fundamentos da decisão do STJ, estimulando ações dos membros do MP na divulgação ampla de informações ambientais.


 

Estado e transparência passiva, ativa e reativa


Og Fernandes explicou que o direito de informação ambiental é formado de duas partes principais: o direito de as pessoas requisitarem informações ambientais ao Estado (transparência passiva) e o dever estatal de fornecer informações às pessoas (transparência ativa). O magistrado lembrou que, embora tradicionalmente o poder público tenha se pautado pela transparência passiva, a tendência atual é de ampliação da transparência ativa – elemento revelador do nível de maturidade democrática e civilidade do país.


Nesse contexto, o ministro apontou que o artigo 2º da Lei de Acesso à Informação Ambiental protege o direito público de acesso às informações sob guarda da administração relativas a políticas, planos e programas causadores de impacto ambiental, entre outros assuntos. Já o artigo 8º da LAI estipula como dever dos órgãos públicos promover, independentemente de requerimentos, a divulgação de informações de interesse coletivo por eles produzidas ou custodiadas.


"Deve-se integrar as duas normas e intensificar seus efeitos. A partir da LAI, não há mais dúvidas de que o direito de acesso à informação não é unicamente um direito de defesa do cidadão contra o abuso estatal, mas um dever prestacional do Estado democrático", comentou o magistrado ao lembrar que o plano de manejo ambiental – objeto de discussão nos autos – se inclui entre essas informações de interesse social amplo.


 

Administração tem o dever de oferecer acesso e produzir informação ambiental


No caso analisado, Og Fernandes entendeu que não seria lógico que a Lei 9.985/2000 previsse a participação social na gestão das unidades de conservação ambiental e o poder público vedasse ou dificultasse o acesso da sociedade às informações sobre a execução do plano em APAs.


"A administração tem o dever não só de viabilizar o acesso à informação ambiental sob sua guarda, como também de produzi-la. Digamos, configurado na hipótese, o dever de transparência reativa, à míngua de melhor nome", sugeriu o relator.


Diante do princípio da máxima publicidade na esfera ambiental, o ministro também reforçou que as situações de sigilo são extremamente excepcionais, competindo ao Estado demonstrar a presença de circunstâncias restritivas ao direito de informação.


Para Og Fernandes, o Judiciário deve considerar a obrigação da publicidade das informações ambientais para, a partir dessa perspectiva, analisar as razões da administração para não divulgar determinado dado – sem ceder à simples justificativa da discricionariedade administrativa.


"Nessa lógica, sob qualquer ângulo, parece-me inegável o dever estatal – no caso concreto, da municipalidade – de franquear acesso às informações da execução do Plano de Manejo da APA do Lajeado, de forma proativa, fácil, clara, ampla e tempestiva", declarou.


 

Registro de informações ambientais traz diversos benefícios


Sobre a atuação do MP, o ministro apontou que a sua intervenção é, costumeiramente, a medida extrema para imposição de deveres na esfera ambiental – em contexto no qual, como indica o caso dos autos, já houve o descumprimento de obrigações pelo Estado.


Em relação ao registro da APA nos imóveis abrangidos pela unidade de conservação, Og Fernandes destacou que, embora a Lei de Registros Públicos não tenha norma impositiva de averbação de áreas de proteção ambiental, tampouco há vedação legal. "Ao contrário: em atenção ao princípio da concentração, consta na lei previsão expressa quanto à possibilidade de averbações facultativas", disse o relator.


No mesmo sentido, ele lembrou que a Lei de Registros Públicos, em seu artigo 13, prevê a prática de atos de registro a requerimento do Ministério Público, quando a lei autorizar. Entre as hipóteses legais de atuação direta do MP, afirmou, está exatamente a proteção do meio ambiente.


"Assim, sendo o registro a 'certidão narrativa' do imóvel, nada veda que, a requerimento do MP, se efetue a averbação de fatos relevantes da vida do bem, com o intuito de ampla publicidade e, na espécie, efetivação e garantia dos direitos ambientais vinculados ao uso adequado de recursos hídricos para consumo humano", afirmou.


Em seu voto, Og Fernandes ainda enfatizou que a averbação das informações da APA no registro imobiliário traz vários benefícios, entre eles a identificação precisa dos imóveis e suas restrições, a informação sobre os limites impostos pelo plano de manejo e a conscientização coletiva sobre a existência da área protegida.


"Onde a lei estabeleceu as avenidas, descabe ao administrador criar becos; se a lei definiu as vias, deve o Estado pavimentá-las. Ao Judiciário compete remover barreiras, muros e desvios ao livre fluxo da informação administrativa – muito especialmente, a de caráter ambiental. Ou, em termos simples, fazer cumprir a lei, em toda a sua clareza", concluiu o ministro.

5 de dezembro de 2025
A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferiu, recentemente, decisão de grande relevância para o direito civil e para a prática da execução de dívidas. No julgamento do Recurso Especial n.º 2.195.589 , de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, o Tribunal reconheceu a possibilidade de inclusão do cônjuge do devedor no polo passivo da execução de título extrajudicial , mesmo quando a dívida foi formalmente contraída apenas por um deles. O caso envolve casal casado sob o regime de comunhão parcial de bens , no qual o marido havia emitido cheques posteriormente levados à execução. Diante da inexistência de patrimônio em nome do devedor principal, o credor solicitou a inclusão da esposa no processo executivo, pedido inicialmente negado pelas instâncias inferiores. Ao analisar o recurso, o STJ reformou as decisões anteriores e fixou importante entendimento sobre responsabilidade patrimonial no casamento. O caso julgado: dívida contraída durante o casamento O processo tratava de cheques emitidos em 2021 pelo marido, enquanto casado desde 2010 sob o regime de comunhão parcial. Embora o título estivesse em nome exclusivo do emitente, o credor buscou a inclusão da esposa sob o argumento de que: · a dívida foi constituída durante a constância do casamento , · o regime de bens adotado pressupõe a comunicação do patrimônio adquirido no período , · e determinadas obrigações assumidas por um dos cônjuges podem beneficiar diretamente a economia do lar . As instâncias de origem rejeitaram o pedido, entendendo não haver responsabilidade automática da esposa por dívidas assumidas exclusivamente pelo marido. O STJ, contudo, deu provimento ao recurso do credor e autorizou a inclusão da cônjuge na execução. O embasamento jurídico da decisão A fundamentação da Ministra Nancy Andrighi se apoiou, principalmente, nos arts. 1.643 e 1.644 do Código Civil, que tratam da administração da economia doméstica e das responsabilidades financeiras assumidas no casamento. Presunção absoluta de consentimento Segundo a relatora, a legislação estabelece presunção absoluta de consentimento recíproco para obrigações assumidas por um dos cônjuges em prol da economia doméstica. Isso significa que, independente de outorga uxória ou anuência formal, o ordenamento presume que ambos participam e se beneficiam das despesas necessárias à manutenção da entidade familiar. Assim, a dívida contraída durante o casamento (ainda que em nome de apenas um dos cônjuges) pode atingir o patrimônio comum, especialmente quando relacionada a gastos inerentes à vida familiar. Responsabilidade solidária pela economia doméstica O art. 1.644 do Código Civil prevê que as obrigações domésticas vinculam solidariamente os cônjuges. A interpretação adotada pela 3ª Turma reforça a ideia de que, sempre que houver indício de que a dívida pode ter repercutido na economia comum, existe legitimidade passiva do outro cônjuge para integrar a execução. O que a decisão não determina Embora reconheça a legitimidade, a decisão não determina responsabilidade automática pelo pagamento. A inclusão do cônjuge: · não implica presunção de culpa ou participação direta na dívida ; · não autoriza, de imediato, a constrição de bens particulares ; · não impede que o cônjuge exerça defesa própria , como demonstrar que a dívida não beneficiou a família ou não guarda relação com o regime de bens. A relatora reforçou que caberá ao cônjuge incluído provar eventual incomunicabilidade de bens ou ausência de proveito comum, podendo opor embargos ou outras medidas de defesa. Impactos práticos da decisão A orientação firmada pelo STJ repercute diretamente em execuções de títulos extrajudiciais, especialmente naquelas em que: · o devedor não possui patrimônio em seu nome; · o casamento está vigente sob o regime de comunhão parcial; · há indícios de que a dívida foi contraída durante o matrimônio; · o credor busca ampliar as chances de satisfação do crédito. Para credores · A decisão fortalece a possibilidade de alcançar o patrimônio comum do casal , caso haja indícios de benefício à economia doméstica. · Também oferece uma estratégia adicional em execuções paralisadas em razão da inexistência de bens penhoráveis em nome do devedor principal. Para cônjuges incluídos · A inclusão no polo passivo pode gerar consequências como citação, necessidade de apresentação de defesa, eventuais bloqueios sobre bens comuns e análise detalhada do regime de bens. · Contudo, permanece assegurado o direito de comprovar que a dívida não possui qualquer relação com a vida familiar ou com o patrimônio comunicável. Para o sistema jurídico A decisão dialoga com precedentes anteriores, mas reforça e amplia o entendimento de que, no regime de comunhão parcial, a responsabilidade patrimonial pode alcançar o casal, desde que respeitados os limites legais da meação e da incomunicabilidade. A decisão da 3ª Turma do STJ representa importante marco interpretativo sobre responsabilidade patrimonial dos cônjuges em execuções de títulos extrajudiciais. Ao autorizar a inclusão do cônjuge no polo passivo, o Tribunal consolida entendimento de que o regime de comunhão parcial de bens produz efeitos não apenas sobre os bens adquiridos durante o casamento, mas também sobre determinadas obrigações assumidas nesse período. Em paralelo, mantém-se a garantia de ampla defesa, permitindo que o cônjuge incluído comprove a ausência de benefício à economia doméstica ou a incomunicabilidade de determinados bens. Para operadores do Direito, especialmente aqueles que atuam em contencioso civil, família e recuperação de crédito, a decisão exige atenção redobrada ao regime de bens, ao histórico da dívida e às circunstâncias concretas de sua constituição.
Por Pinheiro Pedro Advogados 23 de outubro de 2025
Sancionada pelo Presidente Lula agora no mês de outubro, a Lei nº 15.228/2025, que institui o chamado Estatuto do Pantanal , é o primeiro marco legal federal voltado especificamente à conservação, restauração e uso sustentável desse bioma único. A matéria segue agora para sanção presidencial, marcando um passo histórico no arcabouço jurídico-ambiental brasileiro. Um vácuo jurídico que se encerra Apesar de o artigo 225 da Constituição Federal reconhecer o Pantanal como patrimônio nacional, até então inexistia legislação federal exclusiva que tratasse de sua proteção. A lacuna vinha sendo preenchida pela aplicação de normas ambientais gerais ou por legislações estaduais de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Essa ausência gerava insegurança regulatória e dificuldades de harmonização entre as práticas produtivas, a conservação ambiental e o desenvolvimento socioeconômico. Em 2024, inclusive, o Supremo Tribunal Federal (STF) havia determinado que o Congresso legislasse sobre o tema, pressionando pela criação de um marco normativo específico. O que dispõe o Estatuto do Pantanal A nova lei inova ao estabelecer diretrizes próprias para o bioma. Entre seus principais pontos, destacam-se: · Uso sustentável e compatível : qualquer atividade econômica no Pantanal deverá atender a critérios de sustentabilidade, prevenindo a exploração predatória. · Manejo do fogo : a utilização do fogo passa a ser permitida apenas em situações específicas, como prevenção de incêndios, pesquisas científicas, manejo integrado e práticas culturais de comunidades tradicionais. Em todos os casos, é necessária autorização prévia do órgão ambiental competente e apresentação de plano de uso. · Selo “Pantanal Sustentável” : cria-se um mecanismo de certificação para bens e serviços produzidos de forma sustentável, inclusive em atividades turísticas, agregando valor econômico às práticas compatíveis com a conservação. · Financiamento e incentivos : o texto prevê o uso de recursos do Fundo Nacional do Meio Ambiente, doações e fundos patrimoniais para custear programas de conservação e pagamento por serviços ambientais. · Integração federativa : as metodologias e regulamentos já adotados por Mato Grosso e Mato Grosso do Sul poderão ser aproveitados, evitando sobreposição de normas e valorizando experiências consolidadas. · Valorização cultural : reconhece o uso tradicional do fogo e práticas ancestrais de comunidades pantaneiras, respeitando sua identidade e modo de vida. Relevância jurídica e socioambiental A aprovação da lei representa não apenas um avanço regulatório, mas também um marco simbólico: é o reconhecimento, em nível federal, de que o Pantanal demanda tratamento diferenciado e normatização específica. Para o setor jurídico, a norma tende a reduzir conflitos de interpretação, já que muitas vezes atividades lícitas sob a ótica estadual esbarravam em entendimentos mais restritivos de normas federais gerais. Agora, o Estatuto confere maior segurança jurídica a empreendedores, comunidades e órgãos ambientais. Além disso, a criação do selo de certificação pode estimular cadeias produtivas sustentáveis, conectando conservação ambiental com ganhos econômicos. Do ponto de vista internacional, a medida também reforça a imagem do Brasil como país comprometido com a preservação de seus biomas, o que pode gerar reflexos positivos em acordos comerciais e ambientais. Vem desafio por aí! Apesar dos avanços, a efetividade da lei dependerá de fatores cruciais: 1. Estrutura de fiscalização : a legislação só terá efeito prático se houver capacidade de monitoramento, o que exige fortalecimento institucional nos estados e na União. 2. Recursos financeiros contínuos : sem repasses estáveis e planejamento orçamentário, os instrumentos de incentivo podem se tornar meramente declaratórios. 3. Harmonização normativa : será preciso compatibilizar as regras federais com legislações estaduais já vigentes, evitando conflitos de competência e sobreposição de obrigações. 4. Regulamentação detalhada : conceitos como “uso sustentável” e “manejo controlado” precisam ser devidamente definidos em regulamentos, sob pena de abertura para litígios e judicializações. 5. Participação social : a efetividade dependerá do envolvimento de comunidades tradicionais, produtores locais e entidades da sociedade civil, garantindo legitimidade e adequação às realidades regionais. Finalizando, podemos considerar que a criação do Estatuto do Pantanal encerra uma lacuna histórica e inaugura um novo ciclo de políticas ambientais para o bioma. Contudo, como ocorre em muitas áreas do direito ambiental, a distância entre a norma e a realidade prática ainda é significativa. Cabe ao Poder Público assegurar meios para a execução da lei e à sociedade civil acompanhar e fiscalizar sua implementação. Já ao setor produtivo e às comunidades locais, abre-se a oportunidade de alinhar desenvolvimento econômico com práticas sustentáveis, construindo um modelo de gestão que preserve o patrimônio natural e cultural pantaneiro. Em última análise, trata-se de um avanço normativo que precisa ser consolidado por meio de ação coordenada, financiamento estável e efetiva fiscalização , sob pena de transformar-se em um marco legal sem efetividade prática.
Por Pinheiro Pedro Advogados 23 de setembro de 2025
Em abril de 2025 foi sancionada a Lei nº 15.126, que acrescenta ao marco legal do Sistema Único de Saúde (SUS) o princípio da atenção humanizada. A norma representa um avanço no campo legislativo da saúde pública ao reconhecer, de forma expressa, que o atendimento ao paciente deve considerar não apenas aspectos físicos, mas também dimensões emocionais, subjetivas e sociais que compõem o cuidado em saúde. O que diz a lei A nova legislação altera a Lei Orgânica da Saúde (Lei nº 8.080/1990), reforçando que os serviços do SUS devem ser pautados pela atenção integral e humanizada. Na prática, isso significa que o Estado assume o dever de assegurar que o tratamento não se limite à prescrição médica ou ao controle de sintomas, mas envolva também: acolhimento adequado às necessidades do paciente; respeito à dignidade e singularidade de cada indivíduo; valorização da escuta, do vínculo e da participação do paciente no próprio cuidado; promoção de políticas públicas que reconheçam a saúde como fenômeno biopsicossocial. Mudanças práticas Embora o princípio da humanização já estivesse presente em políticas do Ministério da Saúde — como a Política Nacional de Humanização (PNH) —, sua inclusão em lei fortalece o caráter jurídico da obrigação. Isso cria: maior respaldo legal para usuários do SUS que se sintam desrespeitados ou vítimas de atendimento desumanizado; parâmetro normativo para o Poder Judiciário em casos de litígios envolvendo negativa de atendimento, internações e tratamentos; obrigação mais clara para gestores públicos e profissionais de saúde no planejamento e execução dos serviços. Em especial na área de saúde mental, a lei reforça a diretriz da Reforma Psiquiátrica (Lei nº 10.216/2001), garantindo que pessoas em sofrimento psíquico recebam tratamento digno, baseado em cuidado integral e não apenas em medidas medicalizantes ou hospitalares. Impacto nos planos de saúde privados Embora a Lei nº 15.126/2025 se destine diretamente ao SUS, seus efeitos podem ultrapassar o sistema público. Isso porque: Parâmetro interpretativo: princípios reconhecidos em lei costumam ser invocados pelo Judiciário como referência também para a saúde suplementar. Assim, pacientes de planos de saúde podem se valer do conceito de atenção humanizada em ações judiciais para exigir tratamentos mais abrangentes e respeitosos. Pressão regulatória: a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) pode, futuramente, adotar resoluções que alinhem os planos privados às diretrizes de humanização, acompanhando a evolução normativa do SUS. Proteção do consumidor: pelo Código de Defesa do Consumidor, operadoras de saúde devem prestar serviços adequados, eficientes e seguros. A incorporação do princípio da atenção humanizada ao ordenamento pode reforçar o entendimento de que a ausência de acolhimento digno configura falha na prestação do serviço. É bom refletir A inclusão do princípio da atenção humanizada no marco legal da saúde brasileira consolida uma tendência: reconhecer que o cuidado deve abranger corpo, mente e contexto social. Para pessoas em vulnerabilidade psiquiátrica, esse respaldo jurídico é ainda mais significativo, pois assegura a possibilidade de reivindicar atendimento digno e integral em momentos de fragilidade. No campo da saúde suplementar, embora a lei não imponha obrigações imediatas aos planos privados, cria bases para que a humanização se torne parâmetro também na iniciativa privada, seja por via judicial, seja por futuras normativas regulatórias. Neste Setembro Amarelo, quando se intensificam as reflexões sobre saúde mental e prevenção do suicídio, a sanção dessa lei ganha relevo adicional. Ela reafirma que o direito à saúde não se limita ao tratamento de doenças, mas envolve o acolhimento humano, a escuta atenta e a valorização da dignidade em todas as etapas do cuidado. Assim, a Lei nº 15.126/2025 não apenas fortalece o SUS, como também abre caminho para uma visão mais ampla e inclusiva do direito à saúde, em sintonia com os desafios contemporâneos da saúde mental e com a urgência de políticas públicas sensíveis à condição humana.