A Primeira Lei Federal de Conservação do Pantanal: avanços, desafios e impactos jurídicos
Sancionada pelo Presidente Lula agora no mês de outubro, a Lei nº 15.228/2025, que institui o chamado
Estatuto do Pantanal, é o primeiro marco legal federal voltado especificamente à conservação, restauração e uso sustentável desse bioma único. A matéria segue agora para sanção presidencial, marcando um passo histórico no arcabouço jurídico-ambiental brasileiro.
Um vácuo jurídico que se encerra
Apesar de o artigo 225 da Constituição Federal reconhecer o Pantanal como patrimônio nacional, até então inexistia legislação federal exclusiva que tratasse de sua proteção. A lacuna vinha sendo preenchida pela aplicação de normas ambientais gerais ou por legislações estaduais de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
Essa ausência gerava insegurança regulatória e dificuldades de harmonização entre as práticas produtivas, a conservação ambiental e o desenvolvimento socioeconômico. Em 2024, inclusive, o
Supremo Tribunal Federal (STF) havia determinado que o Congresso legislasse sobre o tema, pressionando pela criação de um marco normativo específico.
O que dispõe o Estatuto do Pantanal
A nova lei inova ao estabelecer diretrizes próprias para o bioma. Entre seus principais pontos, destacam-se:
· Uso sustentável e compatível: qualquer atividade econômica no Pantanal deverá atender a critérios de sustentabilidade, prevenindo a exploração predatória.
· Manejo do fogo: a utilização do fogo passa a ser permitida apenas em situações específicas, como prevenção de incêndios, pesquisas científicas, manejo integrado e práticas culturais de comunidades tradicionais. Em todos os casos, é necessária autorização prévia do órgão ambiental competente e apresentação de plano de uso.
· Selo “Pantanal Sustentável”: cria-se um mecanismo de certificação para bens e serviços produzidos de forma sustentável, inclusive em atividades turísticas, agregando valor econômico às práticas compatíveis com a conservação.
· Financiamento e incentivos: o texto prevê o uso de recursos do Fundo Nacional do Meio Ambiente, doações e fundos patrimoniais para custear programas de conservação e pagamento por serviços ambientais.
· Integração federativa: as metodologias e regulamentos já adotados por Mato Grosso e Mato Grosso do Sul poderão ser aproveitados, evitando sobreposição de normas e valorizando experiências consolidadas.
· Valorização cultural: reconhece o uso tradicional do fogo e práticas ancestrais de comunidades pantaneiras, respeitando sua identidade e modo de vida.
Relevância jurídica e socioambiental
A aprovação da lei representa não apenas um avanço regulatório, mas também um marco simbólico: é o reconhecimento, em nível federal, de que o Pantanal demanda tratamento diferenciado e normatização específica.
Para o setor jurídico, a norma tende a reduzir conflitos de interpretação, já que muitas vezes atividades lícitas sob a ótica estadual esbarravam em entendimentos mais restritivos de normas federais gerais. Agora, o Estatuto confere maior segurança jurídica a empreendedores, comunidades e órgãos ambientais.
Além disso, a criação do selo de certificação pode estimular cadeias produtivas sustentáveis, conectando conservação ambiental com ganhos econômicos. Do ponto de vista internacional, a medida também reforça a imagem do Brasil como país comprometido com a preservação de seus biomas, o que pode gerar reflexos positivos em acordos comerciais e ambientais.
Vem desafio por aí!
Apesar dos avanços, a efetividade da lei dependerá de fatores cruciais:
1. Estrutura de fiscalização: a legislação só terá efeito prático se houver capacidade de monitoramento, o que exige fortalecimento institucional nos estados e na União.
2. Recursos financeiros contínuos: sem repasses estáveis e planejamento orçamentário, os instrumentos de incentivo podem se tornar meramente declaratórios.
3. Harmonização normativa: será preciso compatibilizar as regras federais com legislações estaduais já vigentes, evitando conflitos de competência e sobreposição de obrigações.
4. Regulamentação detalhada: conceitos como “uso sustentável” e “manejo controlado” precisam ser devidamente definidos em regulamentos, sob pena de abertura para litígios e judicializações.
5. Participação social: a efetividade dependerá do envolvimento de comunidades tradicionais, produtores locais e entidades da sociedade civil, garantindo legitimidade e adequação às realidades regionais.
Finalizando, podemos considerar que a criação do
Estatuto do Pantanal encerra uma lacuna histórica e inaugura um novo ciclo de políticas ambientais para o bioma. Contudo, como ocorre em muitas áreas do direito ambiental, a distância entre a norma e a realidade prática ainda é significativa.
Cabe ao Poder Público assegurar meios para a execução da lei e à sociedade civil acompanhar e fiscalizar sua implementação. Já ao setor produtivo e às comunidades locais, abre-se a oportunidade de alinhar desenvolvimento econômico com práticas sustentáveis, construindo um modelo de gestão que preserve o patrimônio natural e cultural pantaneiro.
Em última análise, trata-se de um avanço normativo que precisa ser consolidado por meio de ação coordenada, financiamento estável e efetiva fiscalização, sob pena de transformar-se em um marco legal sem efetividade prática.

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