O LICENCIAMENTO AMBIENTAL E A AUTONOMIA MUNICIPAL

mar. 08, 2022

Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro


I “Involução” Histórica e Resgate da Autonomia Municipal

Desde a primeira constituição da independência, em 1824, os municípios brasileiros tiveram sua autonomia reconhecida, autonomia esta herdada do período colonial, que conferia às câmaras municipais jurisdição administrativa, sanitária e territorial e, até mesmo, atribuição judiciária.

De fato, a organização e o controle territorial brasileiro, fizeram-se por meio das Câmaras Municipais, que palmilharam cada passo da exploração e interiorização do colonizador português e dos bandeirantes, expandindo nossa fronteira, desde o início do século 16.

Conquistada a independência, a Carta Imperial de 1824 concedia autonomia sem restrições ao Município, estabelecendo, em seus dispositivos, as linhas mestras de sua organização, embora indicasse as províncias como unidades componentes da divisão político-territorial do Império.

O período colonial foi marcado por questões relativas à organização das províncias, que não raro viram-se às voltas com o Governo Imperial, seja no embate por autonomias, seja pela necessidade de apoio militar para conter conflitos locais. Esse período, no entanto, não ocasionou maiores alterações na relação do governo imperial com os municípios, base da formação das lideranças políticas e, ainda, o grande fator de unidade territorial do País.

O advento da República, no entanto, por todos esses fatores, e pela necessidade de alinhar nossa conformação político-territorial com o modelo republicano norte-americano que o inspirara, ocasionou sensível involução na autonomia dos municípios brasileiros, retirando-lhes capacidade de gerir a justiça, o poder de polícia territorial, o controle sanitário, bem como limitando a ação das câmaras municipais na sua gestão.

Assim foi que as Constituições da República asseguraram autonomia aos municípios conferindo-lhes, no entanto, competência “peculiar”. Transferiu-se aos estados federados a iniciativa de legislar sobre a estrutura orgânica municipal, inspiração “importada” e pouco afeta à nossa tradição municipalista, que então beirava o quarto centenário…

As constituições que se seguiram ao Decreto n. 1 da República e à Carta Republicana de 1891, trataram da autonomia municipal de forma a sutil e progressivamente suprimir-lhe horizontes, embora a resguardando no que tange à administração própria sobre o que denominaram “peculiar interesse”, senão vejamos:

A Constituição de 1891, no seu art.68, rezava que “Os Estados organizar-se-ão de forma que fique assegurada a autonomia dos Municípios, em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse”.

A Constituição de 1934, no art.13, dispunha que “Os municípios serão organizados de forma que lhes fique assegurada autonomia em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse, especialmente (…)”.

Da mesma forma, a Constituição de 1937, art.26, reafirmava que “Os Municípios serão organizados de forma a ser-lhes assegurada autonomia em tudo quanto respeite ao se peculiar interesse, e especialmente (…)”.

A Constituição de 1946, talvez por ter sido formulada de maneira mais democrática que as anteriores, desvinculou a “peculiaridade” do conceito de autonomia. No entanto, condicionou “ao peculiar interesse” a forma de administração dos municípios (art. 28).

Mutatis mutandi, o resultado foi a mantença de municípios desfigurados em relação à tradição e cultura tetracentenárias que possuíam.

O mesmo fez a Constituição de 1967, emendada e “remendada” mais de duas dezenas de vezes em um período de governos militares, ao estabelecer no seu artigo 15 que “A autonomia municipal será assegurada (…) pela administração própria, no que respeite ao seu peculiar interesse”.

O regime constitucional do período militar reforçou, ainda, a cangalha aposta sobre os ombros dos municípios, impondo o regime de lei orgânica unitária e complementar, conferindo aos estados o estabelecimento dos critérios da organização municipal (art.14).

Esse sistema, a pretexto de consolidar o princípio da autonomia municipal, na verdade o violava, vez que os Municípios não legislavam organicamente em seu favor, cabendo à União e aos Estados fazê-lo, impedindo, assim que essas unidades basilares da federação brasileira se autodeterminassem.

Com o fim do regime militar, e o restabelecimento da democracia, os municípios brasileiros, em peso, buscaram o resgate histórico de sua autonomia, o que foi obtido, não sem muita luta e articulação no ambiente da Assembléia Nacional Constituinte, com a Carta de 1988.

O advento da Constituição de 1988 pôs fim ao então já quase secular dilema dicotômico federativo. A Carta dispôs os Municípios, expressamente, como unidades que compõem a República Federativa do Brasil, indissoluvelmente unidos aos estados e ao Distrito Federal, par e passo com esses entes, todos autônomos, o que jamais havia ocorrido nos diplomas anteriores.

A partir de então se renovou o princípio constitucional da autonomia municipal, determinando a nova Carta que o Município será regido por lei orgânica própria, aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, a qual deverá observar os princípios estabelecidos na Constituição Federal e na respectiva Constituição Estadual, possuindo, outrossim, competência legislativa para assuntos de interesse local, além de suplementar a legislação federal e estadual no que couber, e gerir o regime de uso de seu solo, entre outras atribuições.

Ressalte-se que a autonomia municipal se traduz em autogoverno, também de prerrogativa da cidadania, no atual regime constitucional brasileiro.

A autonomia dos Municípios está, agora, na base do nosso regime republicano e comparece como um dos mais importantes e transcendentais princípios do nosso direito público, constituindo o cerne do Estado Democrático de Direito.

A relação de amor e ódio da Federação para com sua célula mater, que é o Município, acima relatada, agora apaziguada pela nova Carta, no entanto, já de há muito preocupava nossos melhores doutrinadores, atentos à peculiar situação histórica de nosso direito e nossa divisão político-administrativa.

Como bem ensina Hely Lopes Meirelles “o Município brasileiro é entidade estatal integrante da Federação. Esta integração é uma peculiaridade nossa, pois em nenhum outro Estado Soberano se encontra o Município como peça do sistema federativo, constitucionalmente reconhecida. Dessa posição singular do nosso Município é que resulta a sua autonomia político-administrativa, diversamente do que ocorre nas demais Federações, em que os Municípios são circunscrições territoriais meramente administrativas”.

Na lição de Pontes de Miranda – “A respeito da autonomia dos Municípios, muita literatura tem-se feito em torno da significação fundamental dos Municípios. Decorre isso do grave erro de considerarmos antecedentes da vida política brasileira antecedentes de outros povos, cujos elementos étnicos e históricos foram assaz diferentes. À frase prestigiosa – O Município é a célula, a fonte, a pedra angular da Democracia” – substituamos outra, um tanto desconcertante: “o que temos não foi feito em prol do Município; nós é que estamos, de longa data, a fazer e desfazer dos Municípios”.

Temos assim que a Constituição de 1988, efetivamente, “pôs o dedo” na ferida aberta no seio da Federação, constatando o quadro infeccioso da centralização de atribuições legislativas e administrativas – produzido pela União em conluio com os estados, cuja maior evolução deu-se nas últimas décadas do período de regime militar, para, então, agir profilaticamente, de forma a devolver aos municípios o controle territorial que sempre detiveram ao longo da formação da Nação Brasileira em cinco séculos de existência.

II. O Município e a Constituição de 1988

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 reza competir aos Municípios (art. 30), entre outras funções, legislar sobre assuntos de interesse local, suplementar a legislação federal e a estadual no que couber e promover adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano.

O Município pode, ainda, legislar sobre qualquer outro assunto de seu interesse, como, por exemplo, a organização dos serviços públicos locais.

É preciso ressaltar: a Carta, com efeito, suprimiu o termo “peculiar”, de cunho claramente excludente, até então adotado na esfera constitucional republicana, para firmar competência legislativa do Município sobre assuntos de “interesse local”, termo de cunho claramente inclusivo, condizente com o status de ente federado autônomo, podendo, ainda, exercer atividade legislativa suplementar aos estados e à União.

No exercício de sua competência legislativa, o Município deverá, em primeiro lugar, elaborar Lei Orgânica Municipal, que disciplinará sua organização e estabelecerá normas sobre o Poder Executivo e o Poder Legislativo municipal.

A Constituição de 1988, além de declarar a autonomia da Municipal, prevê as hipóteses excepcionais de intervenção da União nos Estados e, destes, nos Municípios.

Portanto, não resta dúvida quanto à competência legislativa do Município, decorrente de sua autonomia político-administrativa, que é constitucionalmente reconhecida.

De outro lado, o sistema federativo supõe a divisão de competências legislativa e implementadora entre as diversas entidades da federação. A legislativa se expressa mediante a emissão de textos normativos, já a implementadora manifesta-se por meio da prática de atos de execução daqueles textos .

Por óbvio que, devido à rápida sucessão constituições no transcorrer da república, as leis editadas no período respectivo a cada carta, por absoluta impossibilidade de renovação legislativa, foram sendo “recepcionadas” naquilo em que não colidissem com o novo regime constitucional em vigor.

O instituto da “recepção” constitucional dos textos legais, contudo, não apenas implicou, e implica, no descarte ou admissão pura e simples de cada regra face à Ordem em vigor, como também, e principalmente, na revisão hermenêutica e exegética, ou seja, em uma nova leitura do diploma legal sob a nova ótica ordenatória da República, sob pena de ocorrer inconstitucionalidade por desvio de finalidade na implementação do dispositivo recepcionado.

O ato de olvidar, por exemplo, o revigorado e ampliado princípio da autonomia municipal, na implementação de regra editada anteriormente à nova ordem constitucional, fere o instituto da recepção e gera, com efeito, flagrante inconstitucionalidade.

Esse “choque de constitucionalidade” há de ser observado, em especial, na implementação do arcabouço normativo que tutela o meio ambiente, erigido em sua maior parte no auge do chamado Regime Militar, ditatorial e centralizador, na década de 70 até meados dos anos 80, no século passado.

Essa estrutura legal abrange medidas regulatórias que desconsideram totalmente a figura da administração municipal nas ações de planejamento, ordenamento e controle da poluição. De fato, o estamento tecnocrata, então no poder, entendia a administração municipal como hiposuficiente para o exercício do controle territorial e obstáculo para a implementação das ações unilaterais e policialescas, adotadas pelo sistema de gestão ambiental, então ideologicamente militarizado, que gerenciava as fontes de poluição, em especial as industriais, como atividades de interesse para a “segurança nacional”.

O Instituto da Recepção Constitucional, destarte, há de abranger o exercício da hermenêutica, recompondo o cenário federativo no qual passa a ser implementado esse conjunto de regras, bem como se desdobrar na aplicação exegética dessas normas, visando o respeito à autonomia municipal e a inclusão da administração local como ente suficientemente e constitucionalmente apto a assumir atribuições de gestão ambiental (planejamento, ordenamento, fiscalização e licenciamento) na esfera comum de competências federativas e no que tange ao interesse preponderantemente local.

III. A Tutela do Meio Ambiente e o Município

No tocante à tutela do meio ambiente a Constituição Federal de 1988 estabelece:

Competência legislativa
Cabe à União traçar o arcabouço legislativo básico. Para tanto, legisla concorrentemente com os Estados e o Distrito Federal, sempre através de normas gerais.

Portanto, aos Estados e ao Distrito Federal cumpre exercer função legislativa suplementar das normas gerais.

O Município, nesse quadro, detém competência legislativa suplementar em relação à União e aos Estados, na forma do artigo 30 da C.F..

Competência implementadora
Possuem, União, Estados, Distrito Federal e Municípios, competência implementadora comum para a prática de atos materiais de tutela do meio ambiente.

São dois os princípios fundamentais que determinam a atribuição de competência aos Municípios em matéria ambiental o da descentralização, inerente ao modelo de federação adotado no Brasil e, o da máxima proximidade da gestão ambiental aos cidadãos, expressivo da idéia de que, não sendo o meio ambiente pura abstração teórica, sua proteção há que se fazer aos pés daqueles que sofrem, imediata e diretamente, os efeitos de sua degradação.

Portanto, o Município detém competência legislativa suplementar, em relação à União e aos Estados, e atua conjuntamente na salvaguarda do meio ambiente, praticando ações materiais necessárias à implementação dos direitos e deveres que decorrem do ordenamento, mantido o resguardo à sua autonomia.

Nos parece evidente que o regime, aqui, é de verdadeira parceria, sem prevalência absoluta de um ente sobre o outro – regime que decorre da noção de federalismo de cooperação.

Contudo, isso só não basta, eis que há necessidade de identificarmos as hipóteses de intervenção cooperada dos vários níveis da Administração Pública, até mesmo porque “cooperação” não significa sempre atuação simultânea e conjunta.

No que tange à competência implementadora, a Constituição de 1988 limitou-se a estabelecer que “Lei Complementar fixará normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional”.

Essa lei complementar, no entanto, inexiste, restando ao Operador do Direito apreciar o conjunto de normas ambientais que constituem o chamado SISNAMA – Sistema Nacional do Meio Ambiente, dentro das novas regras de competência comum e de autonomização dos entes federados.

Salvo o previsto expressamente em lei, seja complementar ou ordinária, há apenas um critério para a solução de conflitos de competência implementadora em matéria ambiental: o do interesse ambiental ameaçado.

Portanto, cabe, ao operador ambiental, a construção do sistema adequado à implementação do federalismo cooperador, tarefa que não é simples. Mas, para tanto, conta o gestor da administração com algumas diretrizes das quais pode lançar mão, como o conceito ampliado de interesse local na fixação de competência implementadora prevalente do município no exercício de função comum aos entes federados.

Estando a repercussão ambiental imediata da atividade ou empreendimento restrita aos limites do Município, caracteriza-se o interesse preponderantemente local. A competência implementadora, aqui, passa a ser exclusiva do Município.

O interesse ambiental preponderantemente local configura vis atractiva em relação à competência implementadora, especialmente em sede de licenciamento.

Conforme lição do respeitado doutrinador Edis Milaré – “Atento a isso, o Conselho Nacional do Meio Ambiente, no exercício da sua competência de estabelecer normas técnicas e administrativas para a execução das regras gerais e abstratas contidas na Lei nº 6.938/81, editou a Resolução CONAMA nº 237/97, reordenando o licenciamento ambiental em todo território nacional, dando ênfase ao município como ente federativo e atribuindo-lhe funções específicas na gestão do meio ambiente, em particular no que refere aos interesses locais”.

De fato, a Resolução CONAMA n. 237/97, não “dá ênfase ao Município”, apenas cumpre com o ordenamento constitucional sob o qual foi editada, atualmente em vigor, e que insere o município na administração do licenciamento ambiental.

Nesse sentido, o artigo 7º da referida resolução determina que os empreendimentos e atividades serão licenciados em um único nível de competência. Todavia, tal exclusividade está sujeita a pressupostos e a limites, ora de ordem político-administrativa, ora de ordem material.

Ademais, note-se que a exclusividade da competência implementadora municipal pressupõe, mesmo quando se trata de interesse preponderantemente local, a existência de órgão de gestão ambiental na municipalidade, garantida, sempre, a participação pública nos processos de formulação e deliberação.

Ressalte-se que a exclusividade do exercício da competência implementadora nem sempre é universal, abrangendo toda e qualquer atividade de implementação. Isso importa que o interesse ambiental preponderantemente local pode resultar no afastamento das agências estaduais e nacionais da administração em certos temas, como o licenciamento ambiental, não o impondo, contudo, em outros, como a adoção de critérios de controle da poluição e imposição de sanções.

Faz-se necessário, porém, apartarmos as equivocadas noções de licenciamento ambiental e controle da poluição.

Licenciamento ambiental é atividade vinculada ao ordenamento territorial, decorrente do planejamento e estabelecimento de diretrizes para o uso do solo, cujo objetivo é prevenir a degradação do meio ambiente. Ou seja, o licenciamento, como instrumento de prevenção, visa assegurar que não sejam praticados atentados contra o meio ambiente.

Por sua vez, o controle da poluição é típica expressão do poder de polícia, mesmo que sob alguns aspectos assuma caráter preventivo, como na fixação de padrões de qualidade do ar p.ex – é mecanismo fundamentalmente repressivo, importando a imposição de sanções administrativas, atuando freqüentemente, post factum.

Como os Municípios não eram considerados entes federados constituidores da Republica, o que ocorreu com o advento da Constituição Federal de 1988, a legislação ambiental, quando de sua formulação, não absorveu o conceito de autonomia dos Municípios em sua Política Nacional do Meio Ambiente – PNMA, até mesmo porque a Lei nº 6.938/81, anterior à atual Carta Magna, trazia no seu conceito de “sistema” toda a visão hierarquizada de prevalência da administração federal e subsidiariedade das administrações estaduais, como queriam os próceres do antigo regime militar.

A referida Lei, contudo, necessariamente observada sob a luz do atual regime constitucional, não nega competência aos Municípios, apenas a omite, inúmeras vezes, ao fazer referência genérica ao órgão ambiental competente. Da mesma forma, ao direcionar a função de execução da política ambiental ao órgão federal ou aos estados, a Lei em referência não exclui expressamente o município e nem lhe retira competência, pois esse ente federado não existia como tal quando da edição da norma.

Natural, portanto, que a burocracia estatal, fundada no espírito centralizador federal e estadual, reagisse, adotando inadvertidamente o conceito excludente da atuação municipal no licenciamento e fiscalização ambiental, apegando-se à omissão da norma, num primeiro rompante reacionário ante a nova ordem constitucional.

Igualmente natural, por outro lado, que o atento administrador público e os modernos operadores do Direito, aplicando o importante instituto da recepção, insiram o Município no âmbito da referência genérica ao “órgão ambiental competente”, constante da legislação ambiental em vigor, bem como observem a autonomia municipal nos dispositivos concernentes à execução da Política Nacional do Meio Ambiente, tudo em cumprimento da Constituição de 1988.

IV. O licenciamento ambiental e o Município

A atividade de regulamentação da lei que dispõe sobre a PNMA segue nesse sentido, haja vista o disposto na Resolução CONAMA nº 237/97 que, em seu art.1º, inciso I, adota a seguinte definição:

“Licenciamento Ambiental: procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso”.

Por sua vez, a Resolução CONAMA nº1 de 1986 que estabelece critérios básicos e diretrizes gerais para o uso e implementação da avaliação de impacto ambiental como um dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente, atribui a seguinte competência:

“Art. 4º. Os órgãos ambientais competentes e os órgãos setoriais do SISNAMA deverão compatibilizar os processos de licenciamento com as etapas de planejamento e implantação das atividades modificadoras do meio ambiente, respeitados os critérios e diretrizes estabelecidas por esta Resolução e tendo por base a natureza, o porte e as peculiaridades de cada atividade”.

Há de se notar que o Município é parte constituinte do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, e é denominado órgão local, de acordo com a atual redação do Art. 6º, da Lei nº 6.938/81.

O SISNAMA é constituído por um órgão superior, que é o conselho de governo, por um órgão consultivo e deliberativo, por um órgão central, um órgão executor, todos federais, por órgãos seccionais (estaduais) e órgãos locais (municipais).

Esses últimos organismos são definidos no mesmo art. 6º da lei acima mencionada, da seguinte forma:

“V – Órgãos Seccionais: os órgãos ou entidades estaduais responsáveis pela execução de programas, projetos e pelo controle e fiscalização das atividades capazes de provocar degradação ambiental”;

“VI – Órgão Locais: os órgãos ou entidades municipais, responsáveis pelo controle e fiscalização dessas atividades, nas suas respectivas jurisdições”.

O mesmo artigo estabelece as competências nos parágrafos seguintes, conforme segue:

“§ 1º Os Estados, na esfera de suas competências e nas áreas de sua jurisdição, elaborarão normas supletivas e complementares e padrões relacionados com o meio ambiente, observado o que for estabelecido pelo CONAMA”.

“§ 2º Os Municípios, observadas as normas e os padrões federais e estaduais, também poderão elaborar normas mencionadas no parágrafo anterior”.

Portanto, note-se, o arcabouço herdado do período autoritário e recepcionado pela Constituição de 1988, ora adaptado, não exclui a competência municipal.

Outrossim, quando inocorre adaptação no bojo das normas, como é o caso, por exemplo, do artigo 10 da referida Lei 6.938/81, atinente à observância da licença prévia junto ao órgão federal ou, subsidiariamente, aos órgãos dos estados, trata-se o fato, quando muito, de omissão e não exclusão de competência da Administração Municipal. Ou seja, aplica-se a regra observando-se a autonomia dos entes federados e a competência comum constitucional para a gestão ambiental.

Como instrumento regulatório e de diretriz na implementação da Política Nacional do Meio Ambiente, a Resolução CONAMA nº 237, de 19 de dezembro de 1997, por sua vez, observa as competências constitucionais quanto ao licenciamento ambiental, introduzindo critérios para sua observância pelos órgãos das várias esferas federativas, porém, de maneira eliminatória, mas não excludente. Nessa Resolução, a competência nas três esferas, quais sejam, Federal, Estadual e Municipal, para o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades com significativo impacto ambiental são distribuídas da seguinte forma: Compete ao IBAMA, na esfera federal, o licenciamento ambiental de empreendimentos de âmbito nacional ou regional; ao órgão ambiental estadual ou ao Distrito Federal, compete o licenciamento ambiental dos empreendimentos cujos impactos ambientais diretos ultrapassem os limites territoriais de um ou mais Municípios.

Ao órgão ambiental Municipal cabe o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades de impacto ambiental local e daqueles que lhe forem delegadas pelo Estado, por instrumento legal ou convênio.

O licenciamento ambiental, portanto, não é procedimento exclusivo de nenhum dos entes da federação, ou seja, tanto a União, como os Estados-membros e os Municípios, são competentes para a prática de tal ato administrativo.

No entanto, como já visto, a referida Resolução 237 determina que os empreendimentos e atividades serão licenciados em único nível de competência. Como diretriz disciplinadora da atividade de ordenamento territorial, a resolução encontra-se em harmonia com a orientação constitucional e com as regras gerais de atividade administrativa no âmbito das competências comuns dos entes federados, atendendo aos princípios da legalidade, razoabilidade, eficiência e proporcionalidade, que norteiam a Administração Pública.

Para a admissão da regra de licenciamento prevalente, pelo ente municipal que o fizer, constante na Resolução 237/97 CONAMA, o critério de “impacto direto” não poderá ser toscamente aplicado, sem que nele seja entronizado o conceito constitucional de interesse local.

Não fosse assim, qualquer padaria – em que pese admitir-se o controle da fonte de poluição (forno a lenha) por meio de critérios da agência estadual – deveria por esta ser também licenciada, quando, materialmente, trata-se de atividade de interesse local e adstrito à competência do Município; o que se dirá de obras de canalização de córregos tributários de rios estaduais, urbanização de fundos de vale, etc…

É nesse sentido o parecer de Eros Roberto Grau, para quem o “prévio licenciamento de órgão estadual competente, integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA”, mencionado pela Lei nº 6.938/81, “refere-se somente àquelas atividades degradadoras que não estejam confinadas ao interesse local, em juízo de preponderância, do Município. Entendimento diverso desse importaria violação do texto constitucional, expressivo de agressão ao disposto nos seus artigos 23 e 30″.

Por sua vez, afirmam Edis Milaré e Antônio Herman V. Benjamin que, em coerência “com o princípio da distribuição de competências em matéria ambiental, a coordenação do processo de exigência do EIA foi entregue aos órgãos estaduais competentes, exceção feita aos casos de expressa competência federal, da alçada do IBAMA, ou de exclusivo interesse local, a cargo do Município” .

Uma vez que obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, impacta preponderantemente área municipal, e inexistindo outro referencial de delimitação de competência, as competências do Estado-membro e da União para licenciar, não prevalecem ante o licenciamento municipal.

Nesse sentido decidiu o MM. Juízo da 5ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de São Paulo, Capital, nos autos de Ação Popular movida em face da Prefeitura do Município de São Paulo e outros – processo nº 264/95, em conexão com Ação Civil Pública sobre os mesmos fatos, promovida pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, processo n. 1.162/96, na forma seguinte:

“(…) para executar a legislação sobre o tema ambiental, é comum a todos os entes federativos, sendo, no entanto, privativa do Município tal competência, quando o interesse ambiental tratado for preponderantemente local, conforme se depreende da interpretação sistemática dos arts. 23, 24, 30 e 225, todos da CF; o próprio Governo Estadual partilha do entendimento de que “os Municípios, na nova ordem constitucional, além de poderem legislar sobre o meio ambiente, podem criar Conselhos de Meio Ambiente para deliberarem sobre assuntos de interesse local”.

Note-se que a questão referia-se ao licenciamento de dois potentíssimos incineradores para resíduos domiciliares e hospitalares, coligados a sistemas de co-geração de energia, em pleno território do Município de São Paulo, inserido, como se sabe, em Região Metropolitana…

Portanto, resta claro que os Municípios têm competência para conceder licença ambiental de empreendimentos localizados em sua jurisdição, vez que possuem competência para legislar e atuar nesse sentido.

V. A capacitação dos municípios para implementar Avaliação de Impacto Ambiental no seu licenciamento

Se devem licenciar, por óbvio que devem, e podem, os Municípios, executar a Avaliação de Impacto Ambiental das atividades a serem licenciadas.

Nesse sentido, os Municípios devem e podem exigir a feitura e apreciar os instrumentos de AIA previstos no ordenamento federal, cujas diretrizes haverão de seguir como expressam as resoluções do CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente.

A Avaliação de Impacto Ambiental – AIA, como gênero, e suas várias espécies de instrumentos públicos, como o Estudo Prévio de Impacto Ambiental, o Relatório Ambiental Simplificado, o Relatório Ambiental Preliminar, o Estudo de Impacto de Vizinhança, a Avaliação Ambiental Estratégica, etc., constituem fase integrante do procedimento de licenciamento ambiental, e não podem ser vistas de forma dissociada deste.

Constitui a AIA, instrumento de implementação do princípio da prevenção, e considera, na sua aplicação, os demais instrumentos desse mesmo princípio, quais sejam: o mapeamento ecológico e o inventário das fontes de poluição e remanescentes naturais, o planejamento integrado e o ordenamento territorial, no sentido de conferir ou não viabilidade ao empreendimento ou atividade que se pretende implantar em determinado território.

A espécie de Avaliação a ser executada (EIA-RIMA, RAS, RIVI, etc.), bem como o órgão licenciador que irá apreciá-la, dependerá da significância do impacto potencial do empreendimento, o que demandará informação técnica, material, e previsão legal, e a prevalência do interesse no impacto produzido, na forma da regra constitucional.

Nesse sentido, o Município, se deve licenciar, deve e pode adotar os procedimentos de Avaliação de Impacto como meio de informar e justificar o licenciamento ambiental de atividades de seu interesse. Para tanto, não há tutela do estado ou da união nessa atividade, pois o que deve ser resguardado pela municipalidade é a observância das diretrizes legais, postas pelas regras gerais estatuídas pelo CONAMA, e diretamente aplicáveis.

Nesse procedimento, deve e pode a municipalidade socorrer-se de parâmetros de emissão, normas de qualidade e outras referências dispostas no horizonte normativo do SISNAMA, só não devendo faze-lo no caso de possuir disposição legal própria a respeito. Aliás, o SISNAMA, como instrumento de cooperação articulado, presta-se justamente a isso, sem o que não teria motivação legal para sua existência, obrigando cada ente federado a desenvolver extenso regramento para autorizar a atividade de seus respectivos órgãos de controle.

Esse, aliás, o sentido do inciso II do art. 30 da Constituição Federal, ao conferir ao Município competência para suplementar, no que couber, a legislação federal e estadual, o que significa dizer, no âmbito da competência comum, não havendo conflito com a legislação local, as normas e diretrizes federais, bem como os parâmetros estaduais, podem ser aplicados diretamente pelo município, ou serem, por ele, suplementados.

Quanto á capacitação técnico-legal do Município, a norma federal passa a ser considerada norma geral, não podendo, descer a minúcias no ordenamento orgânico a ser adotado pelos estados ou municípios, pois incidiria em violação do princípio da autonomia federativa.

Prevalece, nesse sentido, o disposto na diretriz do CONAMA, posta na Resolução 237/97, que regula a matéria, ao inserir no SISNAMA os órgãos municipais, desde que estruturados no âmbito da respectiva administração e constando um Conselho no qual se verifique a participação da sociedade civil.

A capacitação técnica, por óbvio decorrerá da estrutura de cada órgão e da forma de administração peculiar a cada município, respeitada sua autonomia.

VI. Do licenciamento de empreendimentos de significativo impacto ambiental pelo Município, sob a nova Ordem Urbanística.

A gestão ambiental expressa-se pelo controle social sobre o uso da propriedade, dentro dos parâmetros postos pela Ordem Econômica e Social e pelo Estado Democrático de Direito, visando conferir-lhe Função Social.

Não é por outro motivo que o artigo 182 da Constituição Federal determina que a propriedade urbana cumprirá sua função social, quando utilizada de acordo com o ordenamento territorial do município, expresso no seu plano diretor.

Desta forma, patente que o uso sustentável e, portanto, o cumprimento da função social da propriedade (finalidade da gestão pública ambiental) compete, primordialmente, ao Município, a primeira unidade de gestão territorial da federação brasileira.

Esse é o sentido posto, em cumprimento aos artigos 182 e 183 da Carta de 1988, pelo Estatuto da Cidade – Lei Federal n. 10.257 de 2001, diploma legal que consagrou a autonomia municipal conquistada pela Constituição, isso após 12 anos de difícil trâmite legislativo no Congresso Nacional.

De fato, ao instituir o conceito de “Ordem Urbanística” em seu texto, o Estatuto da Cidade vincula o cumprimento da função social da propriedade urbana àquela Ordem, seguindo entre outras diretrizes a “garantia do direito a cidades sustentáveis”, como reza o inciso I do seu art. 2º.

Vai mais além o Estatuto, indicando uma relação articulada da função social da propriedade com o macro-conceito de função social da cidade, entendida esta última como a conjugação no coletivo do cumprimento da função social das propriedades inseridas no ambiente da cidade. Temos aí a reprodução do macro-bem econômico e jurídico do “meio ambiente ecologicamente equilibrado”, como bem de uso comum do povo, tal como prescreve o art. 225 da Constituição Federal, transferido para a estrutura das manchas urbanas, vinculando sua preservação para as presentes e futuras gerações (cf. caput do art. 2º. do Estatuto da Cidade).

Nesse sentido, para cumprimento de todas as diretrizes impostas em função da sustentabilidade das cidades, patente a competência, agora constitucional e regulada por lei federal própria, do município, para implementar seu próprio sistema de gestão ambiental, realizar avaliação de impactos ambientais e, portanto, licenciar empreendimentos de significativo impacto ambiental no âmbito de seu território.

O licenciamento, assim, passa a seguir o novo regime, consoante o princípio da atratividade do interesse, como preceitua a Constituição Federal e reforça o Estatuto da Cidade. Com efeito, se a política urbana tem como diretriz o “o planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do município e do território sob sua área de influência (grifamos), de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente” (cf. art. 2º., IV do Estatuto da Cidade), não há qualquer restrição a que o Município licencie, seguindo essa diretriz, obras insertas integralmente em sua área de influência, mesmo que possam produzir impactos residuais fora de sua jurisdição, por se tratar de comando de regra geral, consentâneo com o princípio constitucional da atratividade pelo interesse local.

As resoluções do CONAMA, ao referirem-se genericamente ao “órgão ambiental competente”, não direcionam o licenciamento das variadas obras de impacto ambiental a este ou aquele ente federado, admitindo, portanto, o licenciamento por qualquer deles, desde que observado o regime disposto em seu regramento.

A exceção disposta como regra, na Resolução 237/97 CONAMA, referente à competência dos entes federados municipais para licenciar, de acordo com o alcance do impacto ambiental do empreendimento, como já dito anteriormente, não pode prevalecer face ao princípio constitucional do interesse local. Combinada a disposição constitucional com o conceito de área de influência, posto como diretriz no Estatuto da Cidade, revogada in totum está a regra da competência municipal vinculada ao alcance dos impactos ambientais do empreendimento, criada pela Resolução 237 CONAMA, pois que a nova Lei Federal sobrepõe-se à orientação já inconstitucional daquela Resolução, ainda que aproveitáveis várias de suas outras disposições, como já dito acima.

Há que se definir, todavia, o interesse local determinante da prevalência do licenciamento municipal.

Como já dito anteriormente, nem todo impacto extensivo ou interesse fiscalizatório que transcenda o âmbito municipal, transfere competência para o licenciamento da atividade para a esfera estadual. Há que se verificar, primeiro, o interesse local prevalente e, segundo, que impactos admitidos ensejariam alteração da esfera de competência para licenciar.

Um bom exemplo de como o novo regime federativo poderia ser posto à prova, seria o licenciamento de empreendimentos elétricos com pequeno potencial de impacto ambiental, como preceitua a Resolução 279/2001 CONAMA, bem como outros serviços, concessões e obras de impacto sistêmico, mas cujo interesse local prevaleceria dado ao fato de circunscreverem-se fisicamente no território municipal.

A demanda energética, de interesse estratégico para a Federação, uma vez autorizada pelos órgãos de planejamento territorial da União, poderia muito bem ter o seu licenciamento restrito à autoridade local onde iriam se inserir, sem prejuízo das salvaguardas ambientais.

Com efeito, a autorização e operação em regime de concessão de instalações de geração de energia constituem matéria de competência exclusiva da União, conforme reza o inciso XII do art. 21 da Constituição Federal.

Da mesma forma, compete privativamente à União legislar a respeito da geração de energia (art. 22, IV, da C.F.).

Assim, estabelecida a concessão do serviço pela União, deve o licenciamento correr de acordo com o estabelecido, igualmente, pelo regramento federal.

Nesse sentido, se estabeleceu a União regime especial de licenciamento, não definindo esfera de competência para o procedimento, o Município deve e pode licenciar a unidade autorizada, adotando, por seu turno, acorde com suas próprias diretrizes, as diretrizes postas pela Resolução Federal aplicável.

A necessidade de articular licenças e autorizações de esferas diversas, como as relativas a autorização para supressão de cobertura arbórea, outorga de recursos hídricos, concessão de lavra ou serviços, licenças de órgãos de preservação cultural e paisagística, etc, não desnaturam a competência prevalente, territorial, para o município encarregar-se do licenciamento ambiental do empreendimento, desde que siga as diretrizes indicadas para o seu processamento, dentro do regime constitucional e proceda à articulação com os demais entes federados na análise das demais autorizações pertinentes, como, aliás, ocorre em todas as demais esferas, no licenciamento ambiental de atividades diversas…

Deve o Município organizar e administrar os serviços públicos de interesse local (art. 30, V, da C.F.), bem como suplementar a legislação federal e estadual no que couber.

Com efeito, mesmo serviço público de concessão federal, uma vez autorizado pela União, integra o interesse prevalente da comunidade aonde venha se localizar, e à qual vai, prioritariamente, servir.

Compete, outrossim, ao Município, o ordenamento do uso do solo.

O licenciamento ambiental, como manifestação do exercício desse ordenamento há de abranger as atividades de prestação de serviço público essencial a serem instaladas no Município, e, sendo a atividade de ordenamento do solo, prevalentemente municipal, a instalação e a operação dos serviços de geração de energia, mineração ou outros similares, devem ser, prioritariamente, licenciados pelo município onde irão se inserir.

VII. Da incidência de autorizações e outorgas federais e estaduais no licenciamento municipal.

Não se encontrando, portanto, o licenciamento ambiental da atividade de significativo impacto ambiental, muitas vezes, adstrito exclusivamente a um ente federado, e havendo competência comum nessa matéria, na forma do artigo 23 da Constituição Federal, vigora o princípio da atração da tutela da atividade pelo ente mais próximo.

Prevalecerá o licenciamento municipal, se executado na forma das diretrizes e critérios estabelecidos para a atividade em tela.

A análise de viabilização ambiental, instalação e operação de atividades de significativo impacto e influência complexa, inda que autorizadas administrativamente pela União ou pelos estados, deverão, então, seguir procedimento próprio do ente federado municipal, que esgotará a instância de tutela administrativa específica para o licenciamento ambiental, nos moldes do princípio de competência comum constitucional, sem prejuízo da observância dessa e das demais autorizações emitidas extra-município.

No mister de proceder ao licenciamento ambiental, deve e pode a municipalidade buscar informações de todos os órgãos federais e estaduais vinculados à autorização para a atividade de geração de energia, e exigir a obtenção de autorizações pontuais, como a de desmatamento de área de preservação, outorga de uso de recurso hídrico, etc. Tais informações, autorizações e outorgas, em nada desnaturam a competência municipal, pelo contrário, reforçam sua atividade de controle sobre o uso do solo.

Uma vez apresentada toda documentação pertinente, cumpre ao Município prosseguir com o licenciamento.

Por óbvio, resistências não justificadas, de ordem política, não fundamentadas tecnicamente, em especial quando relacionadas a atividades de interesse regional podem e devem ser dirimidas, requerendo-se a tutela judicial específica para a resolução do conflito, note-se, o que só reforça a competência do município, agregando-lhe maior responsabilidade face ao controle territorial da federação.

VIII. Da aplicação de normas e padrões de qualidade ambiental e de emissões pelo Município.

Outrossim, partindo-se da suposição material que os impactos produzidos pela instalação do empreendimento estendem-se para além do território do município, há de se analisar que impactos teriam o condão de modificar regra de competência comum, desautorizando o licenciamento municipal.

Primeiro. Nada desautoriza o licenciamento municipal, que deve e pode abalizar os impactos transcendentes, na medida em que utilizará critérios e diretrizes fixadas pelo CONAMA, e mesmo norma de emissão estadual, se for o caso, tornando eficaz sua avaliação de molde a justificar o ato de licença ou indeferimento.

Segundo, partindo-se do pressuposto de que se trata de empreendimento que demandará recurso hídrico, com devolução de efluentes ao corpo d’água, há de se constatar, na análise dos estudos apresentados como balizadores do licenciamento, que demandas hídricas poderiam representar a perda da competência municipal para licenciar a atividade.

Não havendo despejo significativo de efluentes em curso d’água que justifique conflito de interesses federativos à jusante do empreendimento, restringe-se a questão da demanda de água para a termelétrica, sob o ponto de vista da outorga de uso do recurso.

Nesse sentido, interfere órbita de competência diversa da análise territorial que caracteriza o aspecto ambiental do empreendimento.

Com efeito, a destinação da fração do recurso hídrico para o sistema de geração de energia, atende a parâmetros vinculados ao Sistema Nacional de Recursos Hídricos, que dispõe sobre a outorga da água, atendidos os preceitos de reserva e garantia da multiplicidade de usos na bacia.

Há clara divisão de atribuições nesse campo.

A outorga do uso do recurso hídrico pressupõe avaliação e mensuração da derivação da água em relação à vazão da bacia, que deve ser exercida pelos órgãos componentes do SNRH. Tratando-se de bacia federal, a outorga e permissão competem à Agência Nacional de Água, ouvidos os órgãos federais interessados e o órgão estadual de administração das outorgas, se for o caso.

Isto posto, verdadeiro contra-senso submeter a outorga já concedida ao crivo do licenciamento ambiental.

Configurado estaria o bis in idem em prejuízo da eficiência estabelecida no artigo 37 da Constituição Federal, como princípio da Administração Pública.

Ao órgão licenciador ambiental compete considerar a outorga já efetuada, bem como registrar os efeitos já derivados do ato, devidamente considerados pela autoridade encarregada de zelar pela qualidade e quantidade do recurso.

Para este exercício, basta o órgão municipal, pois não haveria conflito federativo no cumprimento de ato de outorga cuja competência está claramente definida na legislação federal ( Lei Federal n. 9.433/97, arts. 11 e 12).

De outro lado, mesmo que existentes efluentes a serem despejados no curso d’água, haveria necessidade de ocorrer impactos significativos, que transcendessem os limites de concentração permitidos, para fomentar conflito federativo que justificasse interesse regional prevalente.

A adoção de sistemas legalmente reconhecidos, para o controle dos efluentes, ainda que pudessem sofrer fiscalização posterior de agência estadual, não retira a prevalência do licenciamento municipal, posto que efetuado dentro dos limites da lei. O contrário, mais uma vez, significaria estabelecer a desconfiança entre entes federados na observância de lei que se aplica a todos…

Por sua vez, a extensão e concentração dos poluentes atmosféricos, para demandar conflito de interesse federativo, retirando do município o pressuposto de isenção para analisar o fato no seu processo de licenciamento, haveria de ocorrer em níveis tais que tornassem inconfiáveis os sistemas de monitoramento adotados pela municipalidade para o controle das concentrações.

Prevendo-se níveis controláveis das emissões, respeitados os limites de concentração estabelecidos em lei, enquadram-se aquelas no conceito excipiente de poluição previsto no artigo 3o. , III, letra “e” da Lei 6.938/81, desautorizando qualquer adjetivação de significância ao impacto mensurado.

Restaria mensurar os efeitos cumulativos dos poluentes atmosféricos sobre os corpos receptores.

Nesse sentido, inda que haja dispersão para além dos limites municipais, há de se verificar a nocividade das mesmas, utilizando-se parâmetros científicos confiáveis e diretrizes legais estabelecidas.

Para esse exercício, foge a qualquer raciocínio de lógica jurídica transferir-se a sede de licenciamento, do município para a esfera estadual, para que se utilizem os mesmos parâmetros de mensuração, com resultados que podem ser auferidos pela autoridade municipal, balizando da mesma forma sua decisão sem prejudicar o cumprimento da lei.

Tais impactos, vistos nesses parâmetros, não retiram o interesse local prevalente a determinar o licenciamento municipal.

A significância do chamado impacto intermunicipal deve ser, portanto, de natureza conflituosa, para reclamar uma transferência de esfera de competência federativa, caso contrário, prevalece a avaliação e a jurisdição municipal, pois, preponderantemente, a gestão ambiental, é de ordem territorial, e o seu ordenamento, via de regra compete ao município, resguardado sua autonomia.

IX. Conclusão

Face ao exposto, admissível e recomendável o licenciamento ambiental pelo Município, posto constituir unidade autônoma hierarquicamente equiparada à União e aos Estados, conformando a República Federativa do Brasil, nos termos da Constituição de 1988.

Deve a legislação ambiental ser aplicada de acordo com o ordenamento constitucional, atendendo-se à nova hermenêutica federativa, e à exegese de inserção municipal no Sistema Nacional de Meio Ambiente.

A competência municipal para o licenciamento de atividades potencialmente poluidoras, rege-se, constitucionalmente, pelo princípio da atratividade, inserido no conceito prevalente do interesse local, conforme dispõe o artigo 30 da Carta de 1988, reforçado legalmente pelo conceito de área de influência, aposto na diretriz de planejamento territorial, distribuição espacial da população e das atividades econômicas, conferida à sustentabilidade das cidades pelo Estatuto da Cidade.

É perfeitamente factível o licenciamento ambiental municipal de obras de impacto ambiental significativo, desde que inseridas integralmente na sua jurisdição, mesmo que produzam impacto ambiental residual que transcendam os limites do seu território, vez que a constituição e a legislação atribuem ao Município competência para tanto.

O licenciamento ambiental de obras de impacto significativo deve ser efetuado de maneira simplificada pelo Município, articulado com o interesse dos demais entes federados, firmando-se a organização municipal como a primeira unidade de controle territorial da Federação Brasileira.

Autor: Antonio Fernando Pinheiro Pedro

Por Pinheiro Pedro Advogados 25 abr., 2024
A proteção de crianças e adolescentes contra abusos emocionais durante processos de divórcio sempre foi uma prioridade. A Lei 12.318/ 2010, tem desempenhado um papel crucial nesse sentido. Em 2022, essa legislação passou por uma importante atualização com a introdução da Lei 14.340/2022. Esta nova lei estabelece a prática da "visitação assistida" para crianças e adolescentes, uma medida destinada a prevenir a alienação parental, merecendo destaque especial no Dia Internacional de Combate à Alienação Parental, comemorado em 25 de abril. De acordo com a advogada Renata Nepomuceno e Cysne, coordenadora do Grupo de Estudos e Trabalho sobre Alienação Parental do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), a Lei garante que a criança e o adolescente tenham o direito mínimo de "visitação assistida" em locais designados pelo tribunal ou em entidades parceiras, exceto em casos em que um profissional qualificado ateste o risco de danos à integridade física ou psicológica. As visitas assistidas são aquelas em que um dos genitores interage com a criança sob supervisão de uma terceira pessoa, que pode ser um parente próximo, assistente social ou pessoa de confiança designada pelo juiz. Embora a lei use o termo "visitação", é mais apropriado chamá-la de "convivência", já que o objetivo principal é fortalecer ou reestabelecer os laços afetivos entre pais e filhos, incentivando cuidados mútuos. Para que a visita assistida seja determinada judicialmente, é necessário comprovar, no processo de guarda, o risco à integridade física e emocional da criança ou adolescente. Além disso, o juiz pode ordenar uma avaliação psicossocial de todos os envolvidos para entender melhor as condições psicológicas da família. Segundo Renata Cysne, a Lei 14.340/2022 já está tendo um impacto positivo no combate à alienação parental. Ela menciona iniciativas como o Espaço Laços e Afetos, criado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, que oferece um ambiente acolhedor e seguro para a convivência assistida entre crianças, adolescentes e familiares. Além disso, a lei prevê a revisão dos procedimentos para o depoimento de crianças e adolescentes em casos de alienação parental, visando evitar nulidades processuais. A Lei da Alienação Parental (12.328/2010) define essa prática como qualquer interferência na formação psicológica da criança ou adolescente que promova ou induza ao repúdio de um dos genitores, prejudicando os vínculos familiares. Embora tenha sido alvo de críticas, é importante destacar que essa lei não impede a convivência familiar, um direito fundamental garantido pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. A advogada Maria Berenice Dias, vice-presidente do IBDFAM, defende a manutenção da lei, argumentando que sua revogação colocaria as crianças em situação de vulnerabilidade. Ela destaca a importância de capacitar profissionais para lidar com casos de alienação parental e a necessidade de procedimentos rápidos para verificar a veracidade das denúncias. Para ela, a conscientização da sociedade sobre a importância da convivência familiar é fundamental para garantir o bem-estar das crianças e adolescentes. Fonte: IBDFAM
Por Pinheiro Pedro Advogados 22 abr., 2024
O Tribunal de Justiça da Paraíba acatou o pedido de uma mãe e ajustou o modo como o filho convive com o pai, sob o entendimento de que o regime estabelecido anteriormente se assemelhava à guarda alternada, considerada prejudicial ao bem-estar da criança. De acordo com os documentos do processo, o arranjo determinado pela 1ª Vara de Família da Comarca de Campina Grande implicava na alternância do lar da criança a cada oito dias, entre a residência materna e paterna. Porém, esse regime se assemelha à guarda alternada, uma prática não regulamentada na legislação brasileira e desencorajada pelos profissionais da área de família. A mãe argumentou na ação que, durante o período em que a criança deveria estar com o pai, ela acabava ficando sob os cuidados dos avós paternos, já que o pai morava em outra cidade e não podia assumir a responsabilidade nos dias estipulados. Ela afirmou que isso estava causando confusão na mente da criança, dificultando a manutenção de uma rotina estável. Além disso, defendeu que seu lar sempre foi o ponto de referência para o filho, onde ele se sentia seguro e bem cuidado. A mãe ainda destacou que a mudança no regime de convivência não prejudicaria a relação entre pai e filho, pois não havia impedimento para a convivência entre eles, a qual poderia ser regulamentada de forma adequada. Ao analisar o caso, o juiz salientou a importância de distinguir entre a guarda compartilhada e a guarda alternada, reforçando que esta última não é recomendada pela doutrina e jurisprudência. Ele ressaltou que a guarda compartilhada envolve a participação ativa de ambos os pais nas decisões relacionadas à criança, enquanto a guarda alternada pressupõe que o menor passe períodos alternados com cada genitor. Assim, a guarda alternada não é aconselhável, pois pode confundir a criança e prejudicar seu desenvolvimento, especialmente considerando a tenra idade do filho do casal. Ele considerou apropriado designar o lar materno como ponto de referência, dada a forte ligação afetiva entre a mãe e a criança, desde o seu nascimento. Assim, foi estabelecido que o filho passaria os finais de semana alternados com o pai, além de metade das férias escolares e datas festivas relacionadas ao genitor e à sua família, bem como também seria permitida a comunicação por videochamadas. Nossa equipe concorda com a decisão, eis que prioriza o melhor interesse da criança, conforme preconiza a legislação brasileira. Essa determinação visa evitar que as crianças sejam submetidas a uma constante alternância de lares, o que poderia prejudicar seu desenvolvimento emocional e psicológico.
Por Pinheiro Pedro Advogados 11 abr., 2024
Em decisão provisória, a juíza Marcia Alves Martins Lobo, da 1ª Vara Cível de Águas Claras/DF, ordenou que a Unimed volte a fornecer plano de saúde a paciente com autismo. A magistrada constatou que a empresa cancelou o contrato de forma unilateral, o que vai contra as decisões anteriores do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Segundo os documentos do processo, o paciente, diagnosticado com transtorno do espectro autista, está em tratamento médico e teve seu plano de saúde coletivo cancelado pela Unimed sem o seu consentimento. Por isso, ele recorreu à Justiça solicitando que a empresa ofereça um plano de saúde individual ou coletivo semelhante ao que tinha antes ou que mantenha o contrato atual. Ao examinar o caso, a juíza aplicou o entendimento do STJ de que não é aceitável que a empresa cancele o contrato de saúde unilateralmente, interrompendo assim o tratamento médico e prejudicando a saúde do beneficiário. Com base nesse entendimento, ela concedeu ordem de urgência para que a Unimed reative o contrato de assistência à saúde do beneficiário até que a ação seja julgada definitivamente, sob pena de pagar multa diária de R$ 1 mil até o limite de R$ 10 mil.
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