LICENCIAMENTO AMBIENTAL E SUA SUSTENTABILIDADE NO BRASIL

8 de março de 2022

Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro


O sistema de licenciamento ambiental brasileiro é instrumento fundamental para a consolidação do desenvolvimento sustentável em nosso país.

No entanto, entraves de ordem institucional, legal e técnica ao seu correto funcionamento, indefinições quanto à competência dos entes federados, e visões subjetivas impostas a conceitos constitucionais de sustentabilidade e equilíbrio ambiental, levam à constatação da premente necessidade de aperfeiçoarmos o sistema de licenciamento ambiental, tornando-o mais transparente, ágil e eficaz.

A primeira e definitiva atitude para a implementação eficaz do licenciamento ambiental no Estado Brasileiro, é fixarmos o conceito de licenciamento ambiental como SUPORTE AO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL, e INSTRUMENTO DE VIABILIZAÇÃO DOS INVESTIMENTOS no país.

Uma nova atitude, cultural e ideológica, baseada nesse conceito, que resgata efetivamente os pilares constitucionais da Ordem Econômica e Social, induziria a Administração Pública e o setor produtivo a investir recursos humanos e materiais no sistema de licenciamento ambiental, desobstruindo-o e aperfeiçoando-o, para, enfim, descaracterizá-lo como “gargalo” e “obstáculo” ao fluxo de investimento. Isto porque é justamente no que o instrumento vem se tornando, face ao sucateamento do setor público de controle ambiental, tornado “secundário”, vítima de seguidos cortes lineares promovidos nas verbas, da falta de visão estratégica e do significado do licenciamento de nossos governantes.

Além da mudança de atitude conceitual, é importante incorporar a Avaliação Ambiental Estratégica em nossas políticas públicas, de forma a evitar que o licenciamento de grandes projetos e programas de infra-estrutura seja conduzido pontualmente no fluxograma da Administração Pública, perdendo-se tempo e investimentos.

Outro grande entrave à própria sustentabilidade do licenciamento ambiental brasileiro é a demora que os órgãos licenciadores enfrentam na análise dos requerimentos de licença. Isto não deve ser atribuído à incapacidade técnica dos referidos órgãos, mas às enormes dificuldades orçamentárias e ao reduzido número de técnicos disponíveis. Tal dificuldade resulta em atrasos na análise dos requerimentos, que se avolumam dia após dia nos escaninhos das repartições governamentais.


Uma solução para o entrave seria a proposta de organização, pelos órgãos de licenciamento, de um quadro de consultores independentes, ao qual poderiam os empreendedores recorrer, publicamente, para um pré-exame de seus projetos, identificando seus pontos sensíveis e sugerindo as melhores soluções técnicas para corrigir ou minimizar seus eventuais impactos ambientais negativos.

Um quadro de consultoria independente também poderia, às expensas do próprio empreendedor interessado, mediante sistema de pagamento retributivo (aplicação pura do chamado princípio do poluidor-usuário-pagador), analisar os estudos de impacto ambiental apresentados ao órgão público encarregado do licenciamento, desonerando, assim, a burocracia estatal, sem ocorrer perda de eficiência ou demora no deslinde do processo de autorização.

Isto, por óbvio, não substitui a análise pública do licenciamento; os trabalhos executados sofreriam sempre o crivo de técnicos governamentais, a quem competiria, sempre atendendo à conveniência, oportunidade e legalidade, homologar e incorporar aos seus pareceres as conclusões dos consultores particulares. Aos analistas governamentais, porém, seria poupada grande parte do trabalho braçal de levantamento de dados e sua sistemática correlação com o empreendimento proposto, reduzindo tempo e custos. No mesmo sentido, o sistema de contratação, orientado por lei específica, desoneraria os cofres públicos, evitando gastos com pessoal destinado a atividades-meio, despesas com vistorias, diligências e inspeções de campo.


Outro ponto de estrangulamento está na insuficiente e confusa regulamentação dos trabalhos de licenciamento, especialmente no que concerne às diversas competências e critérios, no âmbito federativo e setorial, dos integrantes do SISNAMA.

Tal problema poderia seria amenizado com o aperfeiçoamento da Resolução CONAMA n° 237/97 pelo executivo federal, combinado com um efetivo processo de revisão e consolidação da legislação ambiental pelo Congresso Nacional.

De fato, a Resolução CONAMA 237/97 teve a vantagem de instituir regras que já de há muito deveriam constar em qualquer norma legal de nossa não raro leniente Administração Pública, como os prazos de vigência das licenças prévia, de instalação e operação, o prazo para revisão e renovação desta última, e os prazos de análise dos requerimentos pelos órgãos e de cumprimento das complementações exigidas por estes. Entretanto, desde sua entrada em vigor, a Resolução 237 tem enfrentado questionamentos quanto à sua constitucionalidade, daí recomendar-se sua revisão e complementação o quanto antes.

A desarticulação dos órgãos do SISNAMA e a falta de padronização de procedimentos, por sua vez, também ocasiona danos.

Para mitigar este problema, o trabalho de gestão compartilhada, seja através das “comissões tripartites estaduais”, como preconizado pela atual gestão do governo Lula, seja através do resgate do Grupo de Trabalho, instituído no final do governo FHC, no âmbito da Secretaria de Qualidade Ambiental nos Assentamentos Humanos – SQA do Ministério do Meio Ambiente, é de fundamental importância. Mas uma ação independente não seria indesejável…


O ideal seria um conselho composto de juristas convidados, representantes do setor produtivo, técnicos e procuradores ligados aos órgãos estaduais, ao IBAMA e ao próprio Ministério do Meio Ambiente, detalhando as normas gerais importantes no âmbito da federação, não somente no campo da cooperação entre entes federados (já em discussão no Congresso Nacional) mas, em especial, normas que listem, positivamente, empreendimentos estratégicos e de interesse nacional, independentemente da magnitude do impacto, que devam ser licenciados pelo organismo federal, e outros que devam ser licenciados pelos estados e municípios.

Foi, por outro lado, um enorme avanço para a causa da preservação ambiental e do desenvolvimento sustentável, o fato da Constituição de 1988 e legislação ordinária haverem atribuído ao Ministério Público a defesa dos interesses difusos e ambientais, armando-o com o instrumento da ação civil pública. No entanto, não se pode deixar de verificar que, em alguns casos, têm ocorrido arbitrariedades, muitas vezes em detrimento da própria atuação do órgão licenciador.

Por isso, é inadiável incrementar métodos de ação conjunta, entre o Ministério Público e a Administração Pública (como se o primeiro não integrasse a última…), buscando melhor eficiência no resguardo do interesse público, da Ordem Econômica e Social, da defesa ambiental e dos princípios da moralidade, legalidade e eficiência, constitucionalmente assegurados ao cidadão contribuinte.

Os picos de exacerbação dos conflitos envolvendo Ministério Público e Administração, que não raro deságuam no judiciário, devem-se, na verdade, ao insuficiente diálogo entre as partes interessadas, excessiva burocratização na troca de informações, interpretações ideológicas díspares face ao princípio da razoabilidade e, não raro, desconhecimento da real funcionalidade do licenciamento.

O licenciamento não é, como muitos pensam, um fluxograma burocrático a ser preenchido por papéis. O licenciamento, na verdade, é um instrumento de mediação de conflitos, um constante (porém documentado) diálogo entre instituições setoriais, sociedade civil e entes federados. O licenciamento, assim, não pode servir de pivô para desencontros entre entes burocráticos estatais.


Urge, em nome do interesse público, o exercício permanente do diálogo entre os funcionários do Estado, de práticas transparentes e o fortalecimento de parcerias, além da inserção de instrumentos alternativos à resolução de conflitos ambientais, tais como o instrumento da mediação e arbitragem, evitando-se uma progressiva e nefasta judicialização do sistema de licenciamento.

A hierarquização ou, no mínimo, uma harmonização de entendimentos e de orientação estratégica, no Ministério Público Brasileiro, é indispensável, pois os investimentos, dos quais depende a Nação, não podem sofrer interferências que variam de acordo com a vontade e convicção ideológica do promotor de justiça ou procurador local, muitas vezes atendendo a interesses conceituais que necessariamente não se tornam públicos…


O engenheiro Fernando Almeida, presidente executivo do CEBDS – Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável, que reúne os 60 principais grupos econômicos do País, em artigo de publicado na imprensa (Jornal O Estado de São Paulo) destaca que “ao mesmo tempo em que o país se conscientiza da necessidade de fazer face à situação de seus 50 milhões de miseráveis e cria programas como o Fome Zero, o emperramento dos sistemas de licenciamento induz à fome. Sem exagero, podemos afirmar que em alguns estados os sistemas de licenciamento se tornaram de tal forma emperrados que a obtenção de uma licença para iniciar ou ampliar uma atividade pode levar anos. Os empreendedores, em muitos casos, desistem ou mudam de local e até de país. Limita-se assim a geração de emprego e renda, indispensável para tornar sustentáveis os programas sociais de combate à miséria. Não se trata, é claro, de defender o fim do licenciamento, mas sim de torná-lo mais transparente, ágil e eficaz”.


É hora, portanto, de revisar e tornar mais eficaz o instrumento de licenciamento ambiental em nosso país, e de engajar e responsabilizar, nesse esforço, todos os atores institucionais envolvidos, caso contrário, poderá o Brasil perder uma grande referência de sustentabilidade de sua economia.

Autor: Antonio Fernando Pinheiro Pedro

Por Pinheiro Pedro Advogados 23 de outubro de 2025
Sancionada pelo Presidente Lula agora no mês de outubro, a Lei nº 15.228/2025, que institui o chamado Estatuto do Pantanal , é o primeiro marco legal federal voltado especificamente à conservação, restauração e uso sustentável desse bioma único. A matéria segue agora para sanção presidencial, marcando um passo histórico no arcabouço jurídico-ambiental brasileiro. Um vácuo jurídico que se encerra Apesar de o artigo 225 da Constituição Federal reconhecer o Pantanal como patrimônio nacional, até então inexistia legislação federal exclusiva que tratasse de sua proteção. A lacuna vinha sendo preenchida pela aplicação de normas ambientais gerais ou por legislações estaduais de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Essa ausência gerava insegurança regulatória e dificuldades de harmonização entre as práticas produtivas, a conservação ambiental e o desenvolvimento socioeconômico. Em 2024, inclusive, o Supremo Tribunal Federal (STF) havia determinado que o Congresso legislasse sobre o tema, pressionando pela criação de um marco normativo específico. O que dispõe o Estatuto do Pantanal A nova lei inova ao estabelecer diretrizes próprias para o bioma. Entre seus principais pontos, destacam-se: · Uso sustentável e compatível : qualquer atividade econômica no Pantanal deverá atender a critérios de sustentabilidade, prevenindo a exploração predatória. · Manejo do fogo : a utilização do fogo passa a ser permitida apenas em situações específicas, como prevenção de incêndios, pesquisas científicas, manejo integrado e práticas culturais de comunidades tradicionais. Em todos os casos, é necessária autorização prévia do órgão ambiental competente e apresentação de plano de uso. · Selo “Pantanal Sustentável” : cria-se um mecanismo de certificação para bens e serviços produzidos de forma sustentável, inclusive em atividades turísticas, agregando valor econômico às práticas compatíveis com a conservação. · Financiamento e incentivos : o texto prevê o uso de recursos do Fundo Nacional do Meio Ambiente, doações e fundos patrimoniais para custear programas de conservação e pagamento por serviços ambientais. · Integração federativa : as metodologias e regulamentos já adotados por Mato Grosso e Mato Grosso do Sul poderão ser aproveitados, evitando sobreposição de normas e valorizando experiências consolidadas. · Valorização cultural : reconhece o uso tradicional do fogo e práticas ancestrais de comunidades pantaneiras, respeitando sua identidade e modo de vida. Relevância jurídica e socioambiental A aprovação da lei representa não apenas um avanço regulatório, mas também um marco simbólico: é o reconhecimento, em nível federal, de que o Pantanal demanda tratamento diferenciado e normatização específica. Para o setor jurídico, a norma tende a reduzir conflitos de interpretação, já que muitas vezes atividades lícitas sob a ótica estadual esbarravam em entendimentos mais restritivos de normas federais gerais. Agora, o Estatuto confere maior segurança jurídica a empreendedores, comunidades e órgãos ambientais. Além disso, a criação do selo de certificação pode estimular cadeias produtivas sustentáveis, conectando conservação ambiental com ganhos econômicos. Do ponto de vista internacional, a medida também reforça a imagem do Brasil como país comprometido com a preservação de seus biomas, o que pode gerar reflexos positivos em acordos comerciais e ambientais. Vem desafio por aí! Apesar dos avanços, a efetividade da lei dependerá de fatores cruciais: 1. Estrutura de fiscalização : a legislação só terá efeito prático se houver capacidade de monitoramento, o que exige fortalecimento institucional nos estados e na União. 2. Recursos financeiros contínuos : sem repasses estáveis e planejamento orçamentário, os instrumentos de incentivo podem se tornar meramente declaratórios. 3. Harmonização normativa : será preciso compatibilizar as regras federais com legislações estaduais já vigentes, evitando conflitos de competência e sobreposição de obrigações. 4. Regulamentação detalhada : conceitos como “uso sustentável” e “manejo controlado” precisam ser devidamente definidos em regulamentos, sob pena de abertura para litígios e judicializações. 5. Participação social : a efetividade dependerá do envolvimento de comunidades tradicionais, produtores locais e entidades da sociedade civil, garantindo legitimidade e adequação às realidades regionais. Finalizando, podemos considerar que a criação do Estatuto do Pantanal encerra uma lacuna histórica e inaugura um novo ciclo de políticas ambientais para o bioma. Contudo, como ocorre em muitas áreas do direito ambiental, a distância entre a norma e a realidade prática ainda é significativa. Cabe ao Poder Público assegurar meios para a execução da lei e à sociedade civil acompanhar e fiscalizar sua implementação. Já ao setor produtivo e às comunidades locais, abre-se a oportunidade de alinhar desenvolvimento econômico com práticas sustentáveis, construindo um modelo de gestão que preserve o patrimônio natural e cultural pantaneiro. Em última análise, trata-se de um avanço normativo que precisa ser consolidado por meio de ação coordenada, financiamento estável e efetiva fiscalização , sob pena de transformar-se em um marco legal sem efetividade prática.
Por Pinheiro Pedro Advogados 23 de setembro de 2025
Em abril de 2025 foi sancionada a Lei nº 15.126, que acrescenta ao marco legal do Sistema Único de Saúde (SUS) o princípio da atenção humanizada. A norma representa um avanço no campo legislativo da saúde pública ao reconhecer, de forma expressa, que o atendimento ao paciente deve considerar não apenas aspectos físicos, mas também dimensões emocionais, subjetivas e sociais que compõem o cuidado em saúde. O que diz a lei A nova legislação altera a Lei Orgânica da Saúde (Lei nº 8.080/1990), reforçando que os serviços do SUS devem ser pautados pela atenção integral e humanizada. Na prática, isso significa que o Estado assume o dever de assegurar que o tratamento não se limite à prescrição médica ou ao controle de sintomas, mas envolva também: acolhimento adequado às necessidades do paciente; respeito à dignidade e singularidade de cada indivíduo; valorização da escuta, do vínculo e da participação do paciente no próprio cuidado; promoção de políticas públicas que reconheçam a saúde como fenômeno biopsicossocial. Mudanças práticas Embora o princípio da humanização já estivesse presente em políticas do Ministério da Saúde — como a Política Nacional de Humanização (PNH) —, sua inclusão em lei fortalece o caráter jurídico da obrigação. Isso cria: maior respaldo legal para usuários do SUS que se sintam desrespeitados ou vítimas de atendimento desumanizado; parâmetro normativo para o Poder Judiciário em casos de litígios envolvendo negativa de atendimento, internações e tratamentos; obrigação mais clara para gestores públicos e profissionais de saúde no planejamento e execução dos serviços. Em especial na área de saúde mental, a lei reforça a diretriz da Reforma Psiquiátrica (Lei nº 10.216/2001), garantindo que pessoas em sofrimento psíquico recebam tratamento digno, baseado em cuidado integral e não apenas em medidas medicalizantes ou hospitalares. Impacto nos planos de saúde privados Embora a Lei nº 15.126/2025 se destine diretamente ao SUS, seus efeitos podem ultrapassar o sistema público. Isso porque: Parâmetro interpretativo: princípios reconhecidos em lei costumam ser invocados pelo Judiciário como referência também para a saúde suplementar. Assim, pacientes de planos de saúde podem se valer do conceito de atenção humanizada em ações judiciais para exigir tratamentos mais abrangentes e respeitosos. Pressão regulatória: a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) pode, futuramente, adotar resoluções que alinhem os planos privados às diretrizes de humanização, acompanhando a evolução normativa do SUS. Proteção do consumidor: pelo Código de Defesa do Consumidor, operadoras de saúde devem prestar serviços adequados, eficientes e seguros. A incorporação do princípio da atenção humanizada ao ordenamento pode reforçar o entendimento de que a ausência de acolhimento digno configura falha na prestação do serviço. É bom refletir A inclusão do princípio da atenção humanizada no marco legal da saúde brasileira consolida uma tendência: reconhecer que o cuidado deve abranger corpo, mente e contexto social. Para pessoas em vulnerabilidade psiquiátrica, esse respaldo jurídico é ainda mais significativo, pois assegura a possibilidade de reivindicar atendimento digno e integral em momentos de fragilidade. No campo da saúde suplementar, embora a lei não imponha obrigações imediatas aos planos privados, cria bases para que a humanização se torne parâmetro também na iniciativa privada, seja por via judicial, seja por futuras normativas regulatórias. Neste Setembro Amarelo, quando se intensificam as reflexões sobre saúde mental e prevenção do suicídio, a sanção dessa lei ganha relevo adicional. Ela reafirma que o direito à saúde não se limita ao tratamento de doenças, mas envolve o acolhimento humano, a escuta atenta e a valorização da dignidade em todas as etapas do cuidado. Assim, a Lei nº 15.126/2025 não apenas fortalece o SUS, como também abre caminho para uma visão mais ampla e inclusiva do direito à saúde, em sintonia com os desafios contemporâneos da saúde mental e com a urgência de políticas públicas sensíveis à condição humana.
Por Pinheiro Pedro Advogados 17 de setembro de 2025
Nos últimos anos, a digitalização tem impactado diversas áreas da vida social e econômica, e o Direito não é exceção. Um exemplo recente desse movimento é o crescimento do interesse por testamentos digitais e pela utilização de ferramentas tecnológicas no planejamento sucessório em vida. O que é o testamento digital? O testamento, em sua essência, é o ato jurídico pelo qual uma pessoa dispõe de seus bens, direitos e vontades para depois de sua morte. A versão “digital” desse instituto refere-se a disposições de última vontade elaboradas e registradas por meio eletrônico, seja em plataformas digitais, seja em documentos armazenados em nuvem ou em dispositivos pessoais. Ainda que a expressão “testamento digital” seja cada vez mais mencionada, é importante destacar que a legislação brasileira não possui, até o momento, uma disciplina específica sobre o tema. Isso significa que, para que o documento tenha validade jurídica, é necessário observar as formas tradicionais de testamento previstas no Código Civil: o público, o cerrado e o particular. Assim, ainda que o conteúdo esteja armazenado em meio digital, o instrumento precisa respeitar os requisitos legais – como testemunhas, formalização em cartório ou escritura pública, a depender da modalidade escolhida. Patrimônio digital e novas questões jurídicas Além da disposição de bens materiais, a era digital trouxe à tona um novo campo de debate: o patrimônio digital. Perfis em redes sociais, contas em plataformas de streaming, acervos digitais, criptomoedas e demais ativos virtuais passaram a fazer parte da sucessão. A destinação desses bens imateriais levanta desafios jurídicos, uma vez que a legislação atual ainda não trata de forma detalhada a sucessão de direitos digitais. Planejamento sucessório em vida Paralelamente ao testamento, observa-se o crescimento da prática do planejamento sucessório em vida. Trata-se da adoção de medidas jurídicas que permitem organizar previamente a transferência do patrimônio, assegurando clareza e reduzindo riscos de litígios entre herdeiros. Instrumentos como a doação em vida, a constituição de holdings familiares, pactos sucessórios e outros mecanismos podem ser utilizados dentro dos limites legais. Além de oferecer maior previsibilidade, o planejamento sucessório contribui para a preservação da harmonia familiar e pode, em alguns casos, otimizar aspectos tributários relacionados à transmissão de bens. Desafios e perspectivas O cenário atual evidencia um paradoxo: de um lado, há uma demanda crescente por soluções digitais voltadas à sucessão patrimonial; de outro, existe uma lacuna normativa que ainda demanda regulamentação específica. Nesse contexto, é essencial que a sociedade e os operadores do Direito acompanhem as mudanças tecnológicas, ao mesmo tempo em que respeitam os marcos legais vigentes. Enquanto o legislador não estabelece regras próprias para o testamento digital, o caminho seguro é alinhar as inovações tecnológicas com os formatos já previstos no Código Civil. Assim, garante-se que a manifestação de vontade tenha validade e eficácia jurídica.