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08 mar., 2022
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro I. Introdução O Brasil possui uma das maiores áreas costeiras do mundo, voltada para o Atlântico.Sua zona costeira corresponde a uma faixa onde interagem três sistemas: oceânico, atmosférico e continental, numa extensão de 7.400km e largura variável de 70 a 480km. A costa brasileira corresponde a 5% do território nacional; abrange 512 municípios e é povoada por aproximadamente 39 milhões de habitantes. Tais fatos, somados a uma pródiga dotação da natureza quanto a recursos biológicos e minerais, requerem adequada normatização, tanto para controle estatal como também, para definir à sociedade quais os usos possíveis dos recursos naturais litorâneos e marítmos, bem como do uso e ocupação do solo nas regiões costeiras. A qualidade de vida das populações que vivem na zona costeira, depende de sua boa condição ambiental, a ser preservada não só na área marinha, como também nas águas interiores, regiões estuarinas e no ecossistema florestal da mata atlântica. A importância de nosso litoral é indiscutível. Nossa história demonstra que desde antes do descobrimento, sofríamos predação pirata de nossos recursos naturais. O país se desenvolveu inicialmente no litoral e só com o tempo o território interior foi ocupado. Hoje, portos como o de Santos servem não só a economia brasileira, como também recebem carga para o Paraguai e a Bolívia – países sem saída para o mar.Tal fato ilustra a importância econômica e estratégica do litoral e da costa brasileira. A preocupação do mundo com a proteção do meio ambiente e o desenvolvimento sustentável, assegurando a perpetuação da vida com qualidade para as futuras gerações, carreou ao Estado brasileiro, a necessidade de normatizar a utilização racional e sustentável de nossos recursos naturais, inclusive ao que diz respeito à nossa costa marítma. A costa brasileira é parte de nosso território e abrange faixa marítma do Oceano Atlântico. Os oceanos são umas das últimas áreas do mundo em que prevalece o uso comum e o livre acesso das nações. A regulação do uso dos mares é tema de diversos tratados internacionais, alguns assinados por delegações diplomáticas brasileiras e transformados em lei interna. Desta forma, o presente comentário visará analisar as normas de gerenciamento da costa brasileira, sendo que, para tanto, se faz necessário abordar os tratados internacionais assinados pelo Brasil, nossas normas constitucionais, e finalmente as normas infraconstitucionais de gerenciamento costeiro, hoje a ser implementado pela União, pelos Estados e também pelos municípios envolvidos. II. Implicações de Direito Internacional Não poderíamos abordar as normas de gerenciamento da costa brasileira, sem abordar os tratados de direito internacional sobre direitos do mar e proteção do meio ambiente, dos quais o Brasil é signatário. Dois tratados internacionais merecem destaque, por sua importância e influência preponderante na construção da legislação brasileira sobre o mar, o litoral e seus recursos naturais: o primeiro, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, que data de 10 de dezembro de 1982, e o segundo, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento , realizada no Rio de Janeiro em 1992. A Convenção sobre o Direito do |Mar, realizada em Montego Bay, na Jamaica, tem em seu preâmbulo, a afirmação de que “os problemas do espaço oceânico estão estreitamente inter-relacionados, devendo ser considerados como um todo. Ao lado do respeito à soberania dos Estados, deverá haver uma ordem jurídica que facilite as comunicações internacionais e promova o uso pacífico dos mares, a conservação e utilização equitativa de seus recursos vivos e a proteção do meio marinho.” A matéria tratada na referida Convenção, veio integrar o arcabouço legislativo interno do Brasil em 1995, através do decreto nº1530 de 22.6.1995. Criou o instituto da “Zona Econômica Exclusiva” que delimita o mar territorial do Estado Membro a 12 milhas náuticas, e uma zona econômica exclusiva de 200 milhas náuticas, medidas a partir da linha de base prevista no Tratado, onde o Estado tem exclusividade para aproveitamento de recursos naturais, proteção ambiental, pesquisa científica e instalação de plataformas. A soberania sobre as 12 milhas náuticas, estende-se ao espaço aéreo sobre tal área, bem como ao leito e ao subsolo do mar. A soberania sobre a plataforma continental, definida no artigo 76 da referida Convenção como o leito e o subsolo das águas submarinas além de seu mar territorial até o bordo exterior do bordo continental ou uma distância de 200 milhas marinhas da linha de base de que se mede a largura do mar territorial, é reconhecida para fins de exploração e aproveitamento de seus recursos naturais. A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento , tratou em sua Seção III, Capítulo 17, da proteção dos Oceanos, de todos os tipos de mares, das zonas costeiras e do uso racional dos recursos vivos. Prevê gerenciamento integrado e desenvolvimento sustentável das zonas costeiras, inclusive as zonas econômicas exclusivas; proteção do meio ambiente marinho; uso sustentável dos recursos marinhos vivos, tanto os de alto mar, quanto os de jurisdição nacional, e o fortalecimento da cooperação e da coordenação no plano internacional. Tais instrumentos de Direito Internacional influem preponderantemente em nosso Direito interno, como veremos. Passaremos a comenta-lo, iniciando pelas disposições atinentes de direito constitucional. III. A Costa marítima brasileira na Constituição Federal Em seu artigo 225, a Constituição Federal determina que a proteção ambiental é dever de todos, sejam governo ou sociedade civil; outorga ao meio ambiente ,status jurídico de bem de uso comum do povo, a ser preservado em prol da qualidade de vida das presentes e futuras gerações. O mesmo artigo, em seu parágrafo 4º, declara como patrimônio nacional, entre outros ecossistemas, a zona costeira. Sua utilização deve ser feita, na forma da lei, em condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais. A atividade econômica deverá ser sustentável sob a ótica ambiental – fato a ser previsto e assegurado pela lei infra constitucional de todos os entes federados. Além de patrimônio nacional, o que gera a todos o dever de preservação, a zona costeira brasileira é bem da União, o que não significa que os Estados e municípios não participem ou integrem seu gerenciamento, estando a zona costeira inserida em seus territórios, gerando o direito e o dever de administração. Com efeito, o artigo 20 da Carta Magna, inclui no rol de bens da União, as praias marítimas; as ilhas oceânicas e costeiras; o mar territorial; os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva, e os terrenos de marinha e seus acréscimos. Todos os entes federados terão participação no resultado ou compensação financeira, quando da exploração de recursos minerais em seu território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva ( art.20,§ 1º, regulamentado pela lei7.990/89). Compete ainda a União, segundo o artigo 21 da Constituição, explorar portos marítimos, o serviço de transporte aquaviário entre portos. O artigo 22 determina a competência legislativa exclusiva da União sobre direito marítimo(inc. I) , defesa marítima(inc.XXVIII),regime dos portos e navegação marítima(inc.X). Entretanto, todos os Estados litorâneos, ou inseriram a proteção da zona costeira nas próprias constituições estaduais, ou produziram seus próprios planos estaduais de gerenciamento costeiro, como é o exemplo de São Paulo. E tal se dá pelo disposto nos artigos 23, inc.VI, que estabelece competência legislativa comum entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios para proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas, e 24, inc. VI de nosso diploma maior, que dispõe sobre competência concorrente para legislação entre a União, os Estados e o Distrito Federal sobre florestas, caça pesca, fauna, conservação da natureza , defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição. Tais artigos se combinam harmonicamente com a disposição do § 4º do artigo 225, que outorga à zona costeira o status de patrimônio nacional, gerando o dever de preservação e de uso ambientalmente sustentável do referido ecossistema por todos os brasileiros – governo e sociedade civil – não só autorizando, como determinando que todos os entes federados possam legislar e praticar atos de administração dentro de suas esferas de competência. IV. Da legislação infraconstitucional sobre gerenciamento da costa litorânea brasileira A lei 7.661 de 16.5.1988 instituiu mecanismo denominado “Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro”, o qual tem a função precípua de “estabelecer normas gerais que visem à gestão ambiental da zona costeira do país, lançando as bases para formulação de políticas, planos e programas estaduais e municipais, para tanto, buscando os seguintes resultados: a promoção do ordenamento do uso dos recursos naturais, e da ocupação dos espaços costeiros, subsidiando e otimizando a aplicação dos instrumentos de controle e de gestão pró-ativa da zona costeira; o estabelecimento do processo de gestão, de forma integrada, descentralizada e participativa, das atividades socioeconômicas na zona costeira, de modo a contribuir para elevar a qualidade de vida de sua população e a proteção de seu patrimônio histórico, étnico e cultural; o desenvolvimento sistemático de um diagnóstico de qualidade ambiental da zona costeira, identificando potencialidades, vulnerabilidades e tendências predominantes, como elemento essencial ao processo de gestão; a incorporação da dimensão ambiental nas políticas setoriais voltadas para a gestão integrada dos ambientes costeiros e marinhos, compatibilizando-os com o PNGC; o efetivo controle sobre os agentes causadores de poluição ou degradação ambiental, sob todas as formas, que ameaçem a qualidade de vida na zona costeira; e a produção e a difusão do conhecimento necessário ao desenvolvimento e aprimoramento das ações de gerenciamento costeiro. O Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, como vimos, é instrumento de gestão da costa litorânea brasileira estabelecido por lei federal, a qual determina normas gerais obrigatórias para os Estados e Municípios, e, dentro do conjunto de bens que integram a zona costeira, deve regular plenamente os bens da União – praias e mar territorial, cabendo aos Estados e Municípios, normas específicas sobre tal matéria, bem como regulação de controle de poluição em todas as suas formas e uso e ocupação do solo(incluindo possibilidade de limitação ao uso de imóveis) , podendo estabelecer normas mais restritivas, adequadas a suas peculiariedades. Subordina-se o PNGC, aos princípios gerais da Política Nacional do Meio Ambiente, prevista na Lei 6938/81.Sua implementação cabe ao Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal, como órgão máximo do SISNAMA, articulado com a CIRM – Comissão Interministerial para os Recursos do Mar, que instituiu o GI-GERCO – Grupo de Integração do Gerenciamento Costeiro, que deve promover a articulação das ações federais incidentes na zona costeira, integrando os Estados, Municípios e a sociedade nas ações de gerenciamento costeiro. O Brasil já teve dois Planos Nacionais de Gerenciamento Costeiro, o segundo complementando e dando continuidade ao primeiro, elaborado em 1988, anterior portanto, não só à atual Constituição Federal, como também à Rio-92, retroreferida, em que necessitava de adaptação a tais institutos, o que aconteceu por resolução da CIRM, em 1998(resolução-5/97), ouvido o CONAMA-Conselho Nacional de Meio Ambiente. Atualmente, os referidos grupos de trabalho se dedicam, inclusive, a planos e programas integrados de modernização portuária, no que diz respeito ao meio ambiente, abordando temas como contingência para preparação e resposta em caso de acidentes;controle ambiental da atividade portuária cotidiana, e diretrizes de gestão ambiental e ordenamento costeiro, voltadas à expansão e à modernização das áreas portuárias. V. Licenciamento ambiental nas áreas costeiras A lei 7661/88, em seu artigo 6º,§ 2º, prevê que o licenciamento ambiental se dará através de análise de Estudo de Impacto Ambiental e respectivo relatório de impacto ambiental – EIA-RIMA, para qualquer “parcelamento ou remembramento do solo que possa causar qualquer alteração das características naturais da Zona Costeira, observando-se o princípio universal da precaução, sempre que existam motivos razoáveis de que a atividade possa causar risco ao meio marinho, à saúde pública, à biota ou signifique entrave a atividades de lazer público em praias. O EIA/RIMA, auditorias ambientais e avaliações ambientais estratégicas são instrumentos a serem utilizados na gestão das atividades portuárias e de navegação para transporte de substâncias de risco, como petróleo e resíduos tóxicos em águas territoriais brasileiras, obedecendo aos planos e programas anteriormente referidos, sob comando da CIRM. VI. Conclusões O Brasil possui excelente arcabouço normativo e estrutura administrativa para administrar sua zona costeira e seus recursos marinhos. Restaria apenas ,em nome da eficácia e da celeridade no licenciamento de atividades, que os recursos públicos voltados a tais atividades, fossem descentralizados e redistribuídos aos entes federativos direta e fisicamente envolvidos no gerenciamento costeiro: Estados e Municípios, a exemplo do que ocorre nos países mais desenvolvidos. Tal medida aceleraria a adaptação do PNGC às peculiariedades locais, tornando-o mais eficaz. Entretanto, é patente a evolução e o avanço de nossas normas, no cumprimento dos desígnios constitucionais, de conciliação das atividades de desenvolvimento econômico, realizadas de forma sustentada, visando a proteção do meio ambiente e a integridade de nossa costa marítima para as presentes e futuras gerações.
08 mar., 2022
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro I “Involução” Histórica e Resgate da Autonomia Municipal Desde a primeira constituição da independência, em 1824, os municípios brasileiros tiveram sua autonomia reconhecida, autonomia esta herdada do período colonial, que conferia às câmaras municipais jurisdição administrativa, sanitária e territorial e, até mesmo, atribuição judiciária. De fato, a organização e o controle territorial brasileiro, fizeram-se por meio das Câmaras Municipais, que palmilharam cada passo da exploração e interiorização do colonizador português e dos bandeirantes, expandindo nossa fronteira, desde o início do século 16. Conquistada a independência, a Carta Imperial de 1824 concedia autonomia sem restrições ao Município, estabelecendo, em seus dispositivos, as linhas mestras de sua organização, embora indicasse as províncias como unidades componentes da divisão político-territorial do Império. O período colonial foi marcado por questões relativas à organização das províncias, que não raro viram-se às voltas com o Governo Imperial, seja no embate por autonomias, seja pela necessidade de apoio militar para conter conflitos locais. Esse período, no entanto, não ocasionou maiores alterações na relação do governo imperial com os municípios, base da formação das lideranças políticas e, ainda, o grande fator de unidade territorial do País. O advento da República, no entanto, por todos esses fatores, e pela necessidade de alinhar nossa conformação político-territorial com o modelo republicano norte-americano que o inspirara, ocasionou sensível involução na autonomia dos municípios brasileiros, retirando-lhes capacidade de gerir a justiça, o poder de polícia territorial, o controle sanitário, bem como limitando a ação das câmaras municipais na sua gestão. Assim foi que as Constituições da República asseguraram autonomia aos municípios conferindo-lhes, no entanto, competência “peculiar”. Transferiu-se aos estados federados a iniciativa de legislar sobre a estrutura orgânica municipal, inspiração “importada” e pouco afeta à nossa tradição municipalista, que então beirava o quarto centenário… As constituições que se seguiram ao Decreto n. 1 da República e à Carta Republicana de 1891, trataram da autonomia municipal de forma a sutil e progressivamente suprimir-lhe horizontes, embora a resguardando no que tange à administração própria sobre o que denominaram “peculiar interesse”, senão vejamos: A Constituição de 1891, no seu art.68, rezava que “Os Estados organizar-se-ão de forma que fique assegurada a autonomia dos Municípios, em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse”. A Constituição de 1934, no art.13, dispunha que “Os municípios serão organizados de forma que lhes fique assegurada autonomia em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse, especialmente (…)”. Da mesma forma, a Constituição de 1937, art.26, reafirmava que “Os Municípios serão organizados de forma a ser-lhes assegurada autonomia em tudo quanto respeite ao se peculiar interesse, e especialmente (…)”. A Constituição de 1946, talvez por ter sido formulada de maneira mais democrática que as anteriores, desvinculou a “peculiaridade” do conceito de autonomia. No entanto, condicionou “ao peculiar interesse” a forma de administração dos municípios (art. 28). Mutatis mutandi, o resultado foi a mantença de municípios desfigurados em relação à tradição e cultura tetracentenárias que possuíam. O mesmo fez a Constituição de 1967, emendada e “remendada” mais de duas dezenas de vezes em um período de governos militares, ao estabelecer no seu artigo 15 que “A autonomia municipal será assegurada (…) pela administração própria, no que respeite ao seu peculiar interesse”. O regime constitucional do período militar reforçou, ainda, a cangalha aposta sobre os ombros dos municípios, impondo o regime de lei orgânica unitária e complementar, conferindo aos estados o estabelecimento dos critérios da organização municipal (art.14). Esse sistema, a pretexto de consolidar o princípio da autonomia municipal, na verdade o violava, vez que os Municípios não legislavam organicamente em seu favor, cabendo à União e aos Estados fazê-lo, impedindo, assim que essas unidades basilares da federação brasileira se autodeterminassem. Com o fim do regime militar, e o restabelecimento da democracia, os municípios brasileiros, em peso, buscaram o resgate histórico de sua autonomia, o que foi obtido, não sem muita luta e articulação no ambiente da Assembléia Nacional Constituinte, com a Carta de 1988. O advento da Constituição de 1988 pôs fim ao então já quase secular dilema dicotômico federativo. A Carta dispôs os Municípios, expressamente, como unidades que compõem a República Federativa do Brasil, indissoluvelmente unidos aos estados e ao Distrito Federal, par e passo com esses entes, todos autônomos, o que jamais havia ocorrido nos diplomas anteriores. A partir de então se renovou o princípio constitucional da autonomia municipal, determinando a nova Carta que o Município será regido por lei orgânica própria, aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, a qual deverá observar os princípios estabelecidos na Constituição Federal e na respectiva Constituição Estadual, possuindo, outrossim, competência legislativa para assuntos de interesse local, além de suplementar a legislação federal e estadual no que couber, e gerir o regime de uso de seu solo, entre outras atribuições. Ressalte-se que a autonomia municipal se traduz em autogoverno, também de prerrogativa da cidadania, no atual regime constitucional brasileiro. A autonomia dos Municípios está, agora, na base do nosso regime republicano e comparece como um dos mais importantes e transcendentais princípios do nosso direito público, constituindo o cerne do Estado Democrático de Direito. A relação de amor e ódio da Federação para com sua célula mater, que é o Município, acima relatada, agora apaziguada pela nova Carta, no entanto, já de há muito preocupava nossos melhores doutrinadores, atentos à peculiar situação histórica de nosso direito e nossa divisão político-administrativa. Como bem ensina Hely Lopes Meirelles “o Município brasileiro é entidade estatal integrante da Federação. Esta integração é uma peculiaridade nossa, pois em nenhum outro Estado Soberano se encontra o Município como peça do sistema federativo, constitucionalmente reconhecida. Dessa posição singular do nosso Município é que resulta a sua autonomia político-administrativa, diversamente do que ocorre nas demais Federações, em que os Municípios são circunscrições territoriais meramente administrativas”. Na lição de Pontes de Miranda – “A respeito da autonomia dos Municípios, muita literatura tem-se feito em torno da significação fundamental dos Municípios. Decorre isso do grave erro de considerarmos antecedentes da vida política brasileira antecedentes de outros povos, cujos elementos étnicos e históricos foram assaz diferentes. À frase prestigiosa – O Município é a célula, a fonte, a pedra angular da Democracia” – substituamos outra, um tanto desconcertante: “o que temos não foi feito em prol do Município; nós é que estamos, de longa data, a fazer e desfazer dos Municípios”. Temos assim que a Constituição de 1988, efetivamente, “pôs o dedo” na ferida aberta no seio da Federação, constatando o quadro infeccioso da centralização de atribuições legislativas e administrativas – produzido pela União em conluio com os estados, cuja maior evolução deu-se nas últimas décadas do período de regime militar, para, então, agir profilaticamente, de forma a devolver aos municípios o controle territorial que sempre detiveram ao longo da formação da Nação Brasileira em cinco séculos de existência. II. O Município e a Constituição de 1988 A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 reza competir aos Municípios (art. 30), entre outras funções, legislar sobre assuntos de interesse local, suplementar a legislação federal e a estadual no que couber e promover adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano. O Município pode, ainda, legislar sobre qualquer outro assunto de seu interesse, como, por exemplo, a organização dos serviços públicos locais. É preciso ressaltar: a Carta, com efeito, suprimiu o termo “peculiar”, de cunho claramente excludente, até então adotado na esfera constitucional republicana, para firmar competência legislativa do Município sobre assuntos de “interesse local”, termo de cunho claramente inclusivo, condizente com o status de ente federado autônomo, podendo, ainda, exercer atividade legislativa suplementar aos estados e à União. No exercício de sua competência legislativa, o Município deverá, em primeiro lugar, elaborar Lei Orgânica Municipal, que disciplinará sua organização e estabelecerá normas sobre o Poder Executivo e o Poder Legislativo municipal. A Constituição de 1988, além de declarar a autonomia da Municipal, prevê as hipóteses excepcionais de intervenção da União nos Estados e, destes, nos Municípios. Portanto, não resta dúvida quanto à competência legislativa do Município, decorrente de sua autonomia político-administrativa, que é constitucionalmente reconhecida. De outro lado, o sistema federativo supõe a divisão de competências legislativa e implementadora entre as diversas entidades da federação. A legislativa se expressa mediante a emissão de textos normativos, já a implementadora manifesta-se por meio da prática de atos de execução daqueles textos . Por óbvio que, devido à rápida sucessão constituições no transcorrer da república, as leis editadas no período respectivo a cada carta, por absoluta impossibilidade de renovação legislativa, foram sendo “recepcionadas” naquilo em que não colidissem com o novo regime constitucional em vigor. O instituto da “recepção” constitucional dos textos legais, contudo, não apenas implicou, e implica, no descarte ou admissão pura e simples de cada regra face à Ordem em vigor, como também, e principalmente, na revisão hermenêutica e exegética, ou seja, em uma nova leitura do diploma legal sob a nova ótica ordenatória da República, sob pena de ocorrer inconstitucionalidade por desvio de finalidade na implementação do dispositivo recepcionado. O ato de olvidar, por exemplo, o revigorado e ampliado princípio da autonomia municipal, na implementação de regra editada anteriormente à nova ordem constitucional, fere o instituto da recepção e gera, com efeito, flagrante inconstitucionalidade. Esse “choque de constitucionalidade” há de ser observado, em especial, na implementação do arcabouço normativo que tutela o meio ambiente, erigido em sua maior parte no auge do chamado Regime Militar, ditatorial e centralizador, na década de 70 até meados dos anos 80, no século passado. Essa estrutura legal abrange medidas regulatórias que desconsideram totalmente a figura da administração municipal nas ações de planejamento, ordenamento e controle da poluição. De fato, o estamento tecnocrata, então no poder, entendia a administração municipal como hiposuficiente para o exercício do controle territorial e obstáculo para a implementação das ações unilaterais e policialescas, adotadas pelo sistema de gestão ambiental, então ideologicamente militarizado, que gerenciava as fontes de poluição, em especial as industriais, como atividades de interesse para a “segurança nacional”. O Instituto da Recepção Constitucional, destarte, há de abranger o exercício da hermenêutica, recompondo o cenário federativo no qual passa a ser implementado esse conjunto de regras, bem como se desdobrar na aplicação exegética dessas normas, visando o respeito à autonomia municipal e a inclusão da administração local como ente suficientemente e constitucionalmente apto a assumir atribuições de gestão ambiental (planejamento, ordenamento, fiscalização e licenciamento) na esfera comum de competências federativas e no que tange ao interesse preponderantemente local. III. A Tutela do Meio Ambiente e o Município No tocante à tutela do meio ambiente a Constituição Federal de 1988 estabelece: Competência legislativa Cabe à União traçar o arcabouço legislativo básico. Para tanto, legisla concorrentemente com os Estados e o Distrito Federal, sempre através de normas gerais. Portanto, aos Estados e ao Distrito Federal cumpre exercer função legislativa suplementar das normas gerais. O Município, nesse quadro, detém competência legislativa suplementar em relação à União e aos Estados, na forma do artigo 30 da C.F.. Competência implementadora Possuem, União, Estados, Distrito Federal e Municípios, competência implementadora comum para a prática de atos materiais de tutela do meio ambiente. São dois os princípios fundamentais que determinam a atribuição de competência aos Municípios em matéria ambiental o da descentralização, inerente ao modelo de federação adotado no Brasil e, o da máxima proximidade da gestão ambiental aos cidadãos, expressivo da idéia de que, não sendo o meio ambiente pura abstração teórica, sua proteção há que se fazer aos pés daqueles que sofrem, imediata e diretamente, os efeitos de sua degradação. Portanto, o Município detém competência legislativa suplementar, em relação à União e aos Estados, e atua conjuntamente na salvaguarda do meio ambiente, praticando ações materiais necessárias à implementação dos direitos e deveres que decorrem do ordenamento, mantido o resguardo à sua autonomia. Nos parece evidente que o regime, aqui, é de verdadeira parceria, sem prevalência absoluta de um ente sobre o outro – regime que decorre da noção de federalismo de cooperação. Contudo, isso só não basta, eis que há necessidade de identificarmos as hipóteses de intervenção cooperada dos vários níveis da Administração Pública, até mesmo porque “cooperação” não significa sempre atuação simultânea e conjunta. No que tange à competência implementadora, a Constituição de 1988 limitou-se a estabelecer que “Lei Complementar fixará normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional”. Essa lei complementar, no entanto, inexiste, restando ao Operador do Direito apreciar o conjunto de normas ambientais que constituem o chamado SISNAMA – Sistema Nacional do Meio Ambiente, dentro das novas regras de competência comum e de autonomização dos entes federados. Salvo o previsto expressamente em lei, seja complementar ou ordinária, há apenas um critério para a solução de conflitos de competência implementadora em matéria ambiental: o do interesse ambiental ameaçado. Portanto, cabe, ao operador ambiental, a construção do sistema adequado à implementação do federalismo cooperador, tarefa que não é simples. Mas, para tanto, conta o gestor da administração com algumas diretrizes das quais pode lançar mão, como o conceito ampliado de interesse local na fixação de competência implementadora prevalente do município no exercício de função comum aos entes federados. Estando a repercussão ambiental imediata da atividade ou empreendimento restrita aos limites do Município, caracteriza-se o interesse preponderantemente local. A competência implementadora, aqui, passa a ser exclusiva do Município. O interesse ambiental preponderantemente local configura vis atractiva em relação à competência implementadora, especialmente em sede de licenciamento. Conforme lição do respeitado doutrinador Edis Milaré – “Atento a isso, o Conselho Nacional do Meio Ambiente, no exercício da sua competência de estabelecer normas técnicas e administrativas para a execução das regras gerais e abstratas contidas na Lei nº 6.938/81, editou a Resolução CONAMA nº 237/97, reordenando o licenciamento ambiental em todo território nacional, dando ênfase ao município como ente federativo e atribuindo-lhe funções específicas na gestão do meio ambiente, em particular no que refere aos interesses locais”. De fato, a Resolução CONAMA n. 237/97, não “dá ênfase ao Município”, apenas cumpre com o ordenamento constitucional sob o qual foi editada, atualmente em vigor, e que insere o município na administração do licenciamento ambiental. Nesse sentido, o artigo 7º da referida resolução determina que os empreendimentos e atividades serão licenciados em um único nível de competência. Todavia, tal exclusividade está sujeita a pressupostos e a limites, ora de ordem político-administrativa, ora de ordem material. Ademais, note-se que a exclusividade da competência implementadora municipal pressupõe, mesmo quando se trata de interesse preponderantemente local, a existência de órgão de gestão ambiental na municipalidade, garantida, sempre, a participação pública nos processos de formulação e deliberação. Ressalte-se que a exclusividade do exercício da competência implementadora nem sempre é universal, abrangendo toda e qualquer atividade de implementação. Isso importa que o interesse ambiental preponderantemente local pode resultar no afastamento das agências estaduais e nacionais da administração em certos temas, como o licenciamento ambiental, não o impondo, contudo, em outros, como a adoção de critérios de controle da poluição e imposição de sanções. Faz-se necessário, porém, apartarmos as equivocadas noções de licenciamento ambiental e controle da poluição. Licenciamento ambiental é atividade vinculada ao ordenamento territorial, decorrente do planejamento e estabelecimento de diretrizes para o uso do solo, cujo objetivo é prevenir a degradação do meio ambiente. Ou seja, o licenciamento, como instrumento de prevenção, visa assegurar que não sejam praticados atentados contra o meio ambiente. Por sua vez, o controle da poluição é típica expressão do poder de polícia, mesmo que sob alguns aspectos assuma caráter preventivo, como na fixação de padrões de qualidade do ar p.ex – é mecanismo fundamentalmente repressivo, importando a imposição de sanções administrativas, atuando freqüentemente, post factum. Como os Municípios não eram considerados entes federados constituidores da Republica, o que ocorreu com o advento da Constituição Federal de 1988, a legislação ambiental, quando de sua formulação, não absorveu o conceito de autonomia dos Municípios em sua Política Nacional do Meio Ambiente – PNMA, até mesmo porque a Lei nº 6.938/81, anterior à atual Carta Magna, trazia no seu conceito de “sistema” toda a visão hierarquizada de prevalência da administração federal e subsidiariedade das administrações estaduais, como queriam os próceres do antigo regime militar. A referida Lei, contudo, necessariamente observada sob a luz do atual regime constitucional, não nega competência aos Municípios, apenas a omite, inúmeras vezes, ao fazer referência genérica ao órgão ambiental competente. Da mesma forma, ao direcionar a função de execução da política ambiental ao órgão federal ou aos estados, a Lei em referência não exclui expressamente o município e nem lhe retira competência, pois esse ente federado não existia como tal quando da edição da norma. Natural, portanto, que a burocracia estatal, fundada no espírito centralizador federal e estadual, reagisse, adotando inadvertidamente o conceito excludente da atuação municipal no licenciamento e fiscalização ambiental, apegando-se à omissão da norma, num primeiro rompante reacionário ante a nova ordem constitucional. Igualmente natural, por outro lado, que o atento administrador público e os modernos operadores do Direito, aplicando o importante instituto da recepção, insiram o Município no âmbito da referência genérica ao “órgão ambiental competente”, constante da legislação ambiental em vigor, bem como observem a autonomia municipal nos dispositivos concernentes à execução da Política Nacional do Meio Ambiente, tudo em cumprimento da Constituição de 1988. IV. O licenciamento ambiental e o Município A atividade de regulamentação da lei que dispõe sobre a PNMA segue nesse sentido, haja vista o disposto na Resolução CONAMA nº 237/97 que, em seu art.1º, inciso I, adota a seguinte definição: “Licenciamento Ambiental: procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso”. Por sua vez, a Resolução CONAMA nº1 de 1986 que estabelece critérios básicos e diretrizes gerais para o uso e implementação da avaliação de impacto ambiental como um dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente, atribui a seguinte competência: “Art. 4º. Os órgãos ambientais competentes e os órgãos setoriais do SISNAMA deverão compatibilizar os processos de licenciamento com as etapas de planejamento e implantação das atividades modificadoras do meio ambiente, respeitados os critérios e diretrizes estabelecidas por esta Resolução e tendo por base a natureza, o porte e as peculiaridades de cada atividade”. Há de se notar que o Município é parte constituinte do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, e é denominado órgão local, de acordo com a atual redação do Art. 6º, da Lei nº 6.938/81. O SISNAMA é constituído por um órgão superior, que é o conselho de governo, por um órgão consultivo e deliberativo, por um órgão central, um órgão executor, todos federais, por órgãos seccionais (estaduais) e órgãos locais (municipais). Esses últimos organismos são definidos no mesmo art. 6º da lei acima mencionada, da seguinte forma: “V – Órgãos Seccionais: os órgãos ou entidades estaduais responsáveis pela execução de programas, projetos e pelo controle e fiscalização das atividades capazes de provocar degradação ambiental”; “VI – Órgão Locais: os órgãos ou entidades municipais, responsáveis pelo controle e fiscalização dessas atividades, nas suas respectivas jurisdições”. O mesmo artigo estabelece as competências nos parágrafos seguintes, conforme segue: “§ 1º Os Estados, na esfera de suas competências e nas áreas de sua jurisdição, elaborarão normas supletivas e complementares e padrões relacionados com o meio ambiente, observado o que for estabelecido pelo CONAMA”. “§ 2º Os Municípios, observadas as normas e os padrões federais e estaduais, também poderão elaborar normas mencionadas no parágrafo anterior”. Portanto, note-se, o arcabouço herdado do período autoritário e recepcionado pela Constituição de 1988, ora adaptado, não exclui a competência municipal. Outrossim, quando inocorre adaptação no bojo das normas, como é o caso, por exemplo, do artigo 10 da referida Lei 6.938/81, atinente à observância da licença prévia junto ao órgão federal ou, subsidiariamente, aos órgãos dos estados, trata-se o fato, quando muito, de omissão e não exclusão de competência da Administração Municipal. Ou seja, aplica-se a regra observando-se a autonomia dos entes federados e a competência comum constitucional para a gestão ambiental. Como instrumento regulatório e de diretriz na implementação da Política Nacional do Meio Ambiente, a Resolução CONAMA nº 237, de 19 de dezembro de 1997, por sua vez, observa as competências constitucionais quanto ao licenciamento ambiental, introduzindo critérios para sua observância pelos órgãos das várias esferas federativas, porém, de maneira eliminatória, mas não excludente. Nessa Resolução, a competência nas três esferas, quais sejam, Federal, Estadual e Municipal, para o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades com significativo impacto ambiental são distribuídas da seguinte forma: Compete ao IBAMA, na esfera federal, o licenciamento ambiental de empreendimentos de âmbito nacional ou regional; ao órgão ambiental estadual ou ao Distrito Federal, compete o licenciamento ambiental dos empreendimentos cujos impactos ambientais diretos ultrapassem os limites territoriais de um ou mais Municípios. Ao órgão ambiental Municipal cabe o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades de impacto ambiental local e daqueles que lhe forem delegadas pelo Estado, por instrumento legal ou convênio. O licenciamento ambiental, portanto, não é procedimento exclusivo de nenhum dos entes da federação, ou seja, tanto a União, como os Estados-membros e os Municípios, são competentes para a prática de tal ato administrativo. No entanto, como já visto, a referida Resolução 237 determina que os empreendimentos e atividades serão licenciados em único nível de competência. Como diretriz disciplinadora da atividade de ordenamento territorial, a resolução encontra-se em harmonia com a orientação constitucional e com as regras gerais de atividade administrativa no âmbito das competências comuns dos entes federados, atendendo aos princípios da legalidade, razoabilidade, eficiência e proporcionalidade, que norteiam a Administração Pública. Para a admissão da regra de licenciamento prevalente, pelo ente municipal que o fizer, constante na Resolução 237/97 CONAMA, o critério de “impacto direto” não poderá ser toscamente aplicado, sem que nele seja entronizado o conceito constitucional de interesse local. Não fosse assim, qualquer padaria – em que pese admitir-se o controle da fonte de poluição (forno a lenha) por meio de critérios da agência estadual – deveria por esta ser também licenciada, quando, materialmente, trata-se de atividade de interesse local e adstrito à competência do Município; o que se dirá de obras de canalização de córregos tributários de rios estaduais, urbanização de fundos de vale, etc… É nesse sentido o parecer de Eros Roberto Grau, para quem o “prévio licenciamento de órgão estadual competente, integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA”, mencionado pela Lei nº 6.938/81, “refere-se somente àquelas atividades degradadoras que não estejam confinadas ao interesse local, em juízo de preponderância, do Município. Entendimento diverso desse importaria violação do texto constitucional, expressivo de agressão ao disposto nos seus artigos 23 e 30″. Por sua vez, afirmam Edis Milaré e Antônio Herman V. Benjamin que, em coerência “com o princípio da distribuição de competências em matéria ambiental, a coordenação do processo de exigência do EIA foi entregue aos órgãos estaduais competentes, exceção feita aos casos de expressa competência federal, da alçada do IBAMA, ou de exclusivo interesse local, a cargo do Município” . Uma vez que obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, impacta preponderantemente área municipal, e inexistindo outro referencial de delimitação de competência, as competências do Estado-membro e da União para licenciar, não prevalecem ante o licenciamento municipal. Nesse sentido decidiu o MM. Juízo da 5ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de São Paulo, Capital, nos autos de Ação Popular movida em face da Prefeitura do Município de São Paulo e outros – processo nº 264/95, em conexão com Ação Civil Pública sobre os mesmos fatos, promovida pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, processo n. 1.162/96, na forma seguinte: “(…) para executar a legislação sobre o tema ambiental, é comum a todos os entes federativos, sendo, no entanto, privativa do Município tal competência, quando o interesse ambiental tratado for preponderantemente local, conforme se depreende da interpretação sistemática dos arts. 23, 24, 30 e 225, todos da CF; o próprio Governo Estadual partilha do entendimento de que “os Municípios, na nova ordem constitucional, além de poderem legislar sobre o meio ambiente, podem criar Conselhos de Meio Ambiente para deliberarem sobre assuntos de interesse local”. Note-se que a questão referia-se ao licenciamento de dois potentíssimos incineradores para resíduos domiciliares e hospitalares, coligados a sistemas de co-geração de energia, em pleno território do Município de São Paulo, inserido, como se sabe, em Região Metropolitana… Portanto, resta claro que os Municípios têm competência para conceder licença ambiental de empreendimentos localizados em sua jurisdição, vez que possuem competência para legislar e atuar nesse sentido. V. A capacitação dos municípios para implementar Avaliação de Impacto Ambiental no seu licenciamento Se devem licenciar, por óbvio que devem, e podem, os Municípios, executar a Avaliação de Impacto Ambiental das atividades a serem licenciadas. Nesse sentido, os Municípios devem e podem exigir a feitura e apreciar os instrumentos de AIA previstos no ordenamento federal, cujas diretrizes haverão de seguir como expressam as resoluções do CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente. A Avaliação de Impacto Ambiental – AIA, como gênero, e suas várias espécies de instrumentos públicos, como o Estudo Prévio de Impacto Ambiental, o Relatório Ambiental Simplificado, o Relatório Ambiental Preliminar, o Estudo de Impacto de Vizinhança, a Avaliação Ambiental Estratégica, etc., constituem fase integrante do procedimento de licenciamento ambiental, e não podem ser vistas de forma dissociada deste. Constitui a AIA, instrumento de implementação do princípio da prevenção, e considera, na sua aplicação, os demais instrumentos desse mesmo princípio, quais sejam: o mapeamento ecológico e o inventário das fontes de poluição e remanescentes naturais, o planejamento integrado e o ordenamento territorial, no sentido de conferir ou não viabilidade ao empreendimento ou atividade que se pretende implantar em determinado território. A espécie de Avaliação a ser executada (EIA-RIMA, RAS, RIVI, etc.), bem como o órgão licenciador que irá apreciá-la, dependerá da significância do impacto potencial do empreendimento, o que demandará informação técnica, material, e previsão legal, e a prevalência do interesse no impacto produzido, na forma da regra constitucional. Nesse sentido, o Município, se deve licenciar, deve e pode adotar os procedimentos de Avaliação de Impacto como meio de informar e justificar o licenciamento ambiental de atividades de seu interesse. Para tanto, não há tutela do estado ou da união nessa atividade, pois o que deve ser resguardado pela municipalidade é a observância das diretrizes legais, postas pelas regras gerais estatuídas pelo CONAMA, e diretamente aplicáveis. Nesse procedimento, deve e pode a municipalidade socorrer-se de parâmetros de emissão, normas de qualidade e outras referências dispostas no horizonte normativo do SISNAMA, só não devendo faze-lo no caso de possuir disposição legal própria a respeito. Aliás, o SISNAMA, como instrumento de cooperação articulado, presta-se justamente a isso, sem o que não teria motivação legal para sua existência, obrigando cada ente federado a desenvolver extenso regramento para autorizar a atividade de seus respectivos órgãos de controle. Esse, aliás, o sentido do inciso II do art. 30 da Constituição Federal, ao conferir ao Município competência para suplementar, no que couber, a legislação federal e estadual, o que significa dizer, no âmbito da competência comum, não havendo conflito com a legislação local, as normas e diretrizes federais, bem como os parâmetros estaduais, podem ser aplicados diretamente pelo município, ou serem, por ele, suplementados. Quanto á capacitação técnico-legal do Município, a norma federal passa a ser considerada norma geral, não podendo, descer a minúcias no ordenamento orgânico a ser adotado pelos estados ou municípios, pois incidiria em violação do princípio da autonomia federativa. Prevalece, nesse sentido, o disposto na diretriz do CONAMA, posta na Resolução 237/97, que regula a matéria, ao inserir no SISNAMA os órgãos municipais, desde que estruturados no âmbito da respectiva administração e constando um Conselho no qual se verifique a participação da sociedade civil. A capacitação técnica, por óbvio decorrerá da estrutura de cada órgão e da forma de administração peculiar a cada município, respeitada sua autonomia. VI. Do licenciamento de empreendimentos de significativo impacto ambiental pelo Município, sob a nova Ordem Urbanística. A gestão ambiental expressa-se pelo controle social sobre o uso da propriedade, dentro dos parâmetros postos pela Ordem Econômica e Social e pelo Estado Democrático de Direito, visando conferir-lhe Função Social. Não é por outro motivo que o artigo 182 da Constituição Federal determina que a propriedade urbana cumprirá sua função social, quando utilizada de acordo com o ordenamento territorial do município, expresso no seu plano diretor. Desta forma, patente que o uso sustentável e, portanto, o cumprimento da função social da propriedade (finalidade da gestão pública ambiental) compete, primordialmente, ao Município, a primeira unidade de gestão territorial da federação brasileira. Esse é o sentido posto, em cumprimento aos artigos 182 e 183 da Carta de 1988, pelo Estatuto da Cidade – Lei Federal n. 10.257 de 2001, diploma legal que consagrou a autonomia municipal conquistada pela Constituição, isso após 12 anos de difícil trâmite legislativo no Congresso Nacional. De fato, ao instituir o conceito de “Ordem Urbanística” em seu texto, o Estatuto da Cidade vincula o cumprimento da função social da propriedade urbana àquela Ordem, seguindo entre outras diretrizes a “garantia do direito a cidades sustentáveis”, como reza o inciso I do seu art. 2º. Vai mais além o Estatuto, indicando uma relação articulada da função social da propriedade com o macro-conceito de função social da cidade, entendida esta última como a conjugação no coletivo do cumprimento da função social das propriedades inseridas no ambiente da cidade. Temos aí a reprodução do macro-bem econômico e jurídico do “meio ambiente ecologicamente equilibrado”, como bem de uso comum do povo, tal como prescreve o art. 225 da Constituição Federal, transferido para a estrutura das manchas urbanas, vinculando sua preservação para as presentes e futuras gerações (cf. caput do art. 2º. do Estatuto da Cidade). Nesse sentido, para cumprimento de todas as diretrizes impostas em função da sustentabilidade das cidades, patente a competência, agora constitucional e regulada por lei federal própria, do município, para implementar seu próprio sistema de gestão ambiental, realizar avaliação de impactos ambientais e, portanto, licenciar empreendimentos de significativo impacto ambiental no âmbito de seu território. O licenciamento, assim, passa a seguir o novo regime, consoante o princípio da atratividade do interesse, como preceitua a Constituição Federal e reforça o Estatuto da Cidade. Com efeito, se a política urbana tem como diretriz o “o planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do município e do território sob sua área de influência (grifamos), de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente” (cf. art. 2º., IV do Estatuto da Cidade), não há qualquer restrição a que o Município licencie, seguindo essa diretriz, obras insertas integralmente em sua área de influência, mesmo que possam produzir impactos residuais fora de sua jurisdição, por se tratar de comando de regra geral, consentâneo com o princípio constitucional da atratividade pelo interesse local. As resoluções do CONAMA, ao referirem-se genericamente ao “órgão ambiental competente”, não direcionam o licenciamento das variadas obras de impacto ambiental a este ou aquele ente federado, admitindo, portanto, o licenciamento por qualquer deles, desde que observado o regime disposto em seu regramento. A exceção disposta como regra, na Resolução 237/97 CONAMA, referente à competência dos entes federados municipais para licenciar, de acordo com o alcance do impacto ambiental do empreendimento, como já dito anteriormente, não pode prevalecer face ao princípio constitucional do interesse local. Combinada a disposição constitucional com o conceito de área de influência, posto como diretriz no Estatuto da Cidade, revogada in totum está a regra da competência municipal vinculada ao alcance dos impactos ambientais do empreendimento, criada pela Resolução 237 CONAMA, pois que a nova Lei Federal sobrepõe-se à orientação já inconstitucional daquela Resolução, ainda que aproveitáveis várias de suas outras disposições, como já dito acima. Há que se definir, todavia, o interesse local determinante da prevalência do licenciamento municipal. Como já dito anteriormente, nem todo impacto extensivo ou interesse fiscalizatório que transcenda o âmbito municipal, transfere competência para o licenciamento da atividade para a esfera estadual. Há que se verificar, primeiro, o interesse local prevalente e, segundo, que impactos admitidos ensejariam alteração da esfera de competência para licenciar. Um bom exemplo de como o novo regime federativo poderia ser posto à prova, seria o licenciamento de empreendimentos elétricos com pequeno potencial de impacto ambiental, como preceitua a Resolução 279/2001 CONAMA, bem como outros serviços, concessões e obras de impacto sistêmico, mas cujo interesse local prevaleceria dado ao fato de circunscreverem-se fisicamente no território municipal. A demanda energética, de interesse estratégico para a Federação, uma vez autorizada pelos órgãos de planejamento territorial da União, poderia muito bem ter o seu licenciamento restrito à autoridade local onde iriam se inserir, sem prejuízo das salvaguardas ambientais. Com efeito, a autorização e operação em regime de concessão de instalações de geração de energia constituem matéria de competência exclusiva da União, conforme reza o inciso XII do art. 21 da Constituição Federal. Da mesma forma, compete privativamente à União legislar a respeito da geração de energia (art. 22, IV, da C.F.). Assim, estabelecida a concessão do serviço pela União, deve o licenciamento correr de acordo com o estabelecido, igualmente, pelo regramento federal. Nesse sentido, se estabeleceu a União regime especial de licenciamento, não definindo esfera de competência para o procedimento, o Município deve e pode licenciar a unidade autorizada, adotando, por seu turno, acorde com suas próprias diretrizes, as diretrizes postas pela Resolução Federal aplicável. A necessidade de articular licenças e autorizações de esferas diversas, como as relativas a autorização para supressão de cobertura arbórea, outorga de recursos hídricos, concessão de lavra ou serviços, licenças de órgãos de preservação cultural e paisagística, etc, não desnaturam a competência prevalente, territorial, para o município encarregar-se do licenciamento ambiental do empreendimento, desde que siga as diretrizes indicadas para o seu processamento, dentro do regime constitucional e proceda à articulação com os demais entes federados na análise das demais autorizações pertinentes, como, aliás, ocorre em todas as demais esferas, no licenciamento ambiental de atividades diversas… Deve o Município organizar e administrar os serviços públicos de interesse local (art. 30, V, da C.F.), bem como suplementar a legislação federal e estadual no que couber. Com efeito, mesmo serviço público de concessão federal, uma vez autorizado pela União, integra o interesse prevalente da comunidade aonde venha se localizar, e à qual vai, prioritariamente, servir. Compete, outrossim, ao Município, o ordenamento do uso do solo. O licenciamento ambiental, como manifestação do exercício desse ordenamento há de abranger as atividades de prestação de serviço público essencial a serem instaladas no Município, e, sendo a atividade de ordenamento do solo, prevalentemente municipal, a instalação e a operação dos serviços de geração de energia, mineração ou outros similares, devem ser, prioritariamente, licenciados pelo município onde irão se inserir. VII. Da incidência de autorizações e outorgas federais e estaduais no licenciamento municipal. Não se encontrando, portanto, o licenciamento ambiental da atividade de significativo impacto ambiental, muitas vezes, adstrito exclusivamente a um ente federado, e havendo competência comum nessa matéria, na forma do artigo 23 da Constituição Federal, vigora o princípio da atração da tutela da atividade pelo ente mais próximo. Prevalecerá o licenciamento municipal, se executado na forma das diretrizes e critérios estabelecidos para a atividade em tela. A análise de viabilização ambiental, instalação e operação de atividades de significativo impacto e influência complexa, inda que autorizadas administrativamente pela União ou pelos estados, deverão, então, seguir procedimento próprio do ente federado municipal, que esgotará a instância de tutela administrativa específica para o licenciamento ambiental, nos moldes do princípio de competência comum constitucional, sem prejuízo da observância dessa e das demais autorizações emitidas extra-município. No mister de proceder ao licenciamento ambiental, deve e pode a municipalidade buscar informações de todos os órgãos federais e estaduais vinculados à autorização para a atividade de geração de energia, e exigir a obtenção de autorizações pontuais, como a de desmatamento de área de preservação, outorga de uso de recurso hídrico, etc. Tais informações, autorizações e outorgas, em nada desnaturam a competência municipal, pelo contrário, reforçam sua atividade de controle sobre o uso do solo. Uma vez apresentada toda documentação pertinente, cumpre ao Município prosseguir com o licenciamento. Por óbvio, resistências não justificadas, de ordem política, não fundamentadas tecnicamente, em especial quando relacionadas a atividades de interesse regional podem e devem ser dirimidas, requerendo-se a tutela judicial específica para a resolução do conflito, note-se, o que só reforça a competência do município, agregando-lhe maior responsabilidade face ao controle territorial da federação. VIII. Da aplicação de normas e padrões de qualidade ambiental e de emissões pelo Município. Outrossim, partindo-se da suposição material que os impactos produzidos pela instalação do empreendimento estendem-se para além do território do município, há de se analisar que impactos teriam o condão de modificar regra de competência comum, desautorizando o licenciamento municipal. Primeiro. Nada desautoriza o licenciamento municipal, que deve e pode abalizar os impactos transcendentes, na medida em que utilizará critérios e diretrizes fixadas pelo CONAMA, e mesmo norma de emissão estadual, se for o caso, tornando eficaz sua avaliação de molde a justificar o ato de licença ou indeferimento. Segundo, partindo-se do pressuposto de que se trata de empreendimento que demandará recurso hídrico, com devolução de efluentes ao corpo d’água, há de se constatar, na análise dos estudos apresentados como balizadores do licenciamento, que demandas hídricas poderiam representar a perda da competência municipal para licenciar a atividade. Não havendo despejo significativo de efluentes em curso d’água que justifique conflito de interesses federativos à jusante do empreendimento, restringe-se a questão da demanda de água para a termelétrica, sob o ponto de vista da outorga de uso do recurso. Nesse sentido, interfere órbita de competência diversa da análise territorial que caracteriza o aspecto ambiental do empreendimento. Com efeito, a destinação da fração do recurso hídrico para o sistema de geração de energia, atende a parâmetros vinculados ao Sistema Nacional de Recursos Hídricos, que dispõe sobre a outorga da água, atendidos os preceitos de reserva e garantia da multiplicidade de usos na bacia. Há clara divisão de atribuições nesse campo. A outorga do uso do recurso hídrico pressupõe avaliação e mensuração da derivação da água em relação à vazão da bacia, que deve ser exercida pelos órgãos componentes do SNRH. Tratando-se de bacia federal, a outorga e permissão competem à Agência Nacional de Água, ouvidos os órgãos federais interessados e o órgão estadual de administração das outorgas, se for o caso. Isto posto, verdadeiro contra-senso submeter a outorga já concedida ao crivo do licenciamento ambiental. Configurado estaria o bis in idem em prejuízo da eficiência estabelecida no artigo 37 da Constituição Federal, como princípio da Administração Pública. Ao órgão licenciador ambiental compete considerar a outorga já efetuada, bem como registrar os efeitos já derivados do ato, devidamente considerados pela autoridade encarregada de zelar pela qualidade e quantidade do recurso. Para este exercício, basta o órgão municipal, pois não haveria conflito federativo no cumprimento de ato de outorga cuja competência está claramente definida na legislação federal ( Lei Federal n. 9.433/97, arts. 11 e 12). De outro lado, mesmo que existentes efluentes a serem despejados no curso d’água, haveria necessidade de ocorrer impactos significativos, que transcendessem os limites de concentração permitidos, para fomentar conflito federativo que justificasse interesse regional prevalente. A adoção de sistemas legalmente reconhecidos, para o controle dos efluentes, ainda que pudessem sofrer fiscalização posterior de agência estadual, não retira a prevalência do licenciamento municipal, posto que efetuado dentro dos limites da lei. O contrário, mais uma vez, significaria estabelecer a desconfiança entre entes federados na observância de lei que se aplica a todos… Por sua vez, a extensão e concentração dos poluentes atmosféricos, para demandar conflito de interesse federativo, retirando do município o pressuposto de isenção para analisar o fato no seu processo de licenciamento, haveria de ocorrer em níveis tais que tornassem inconfiáveis os sistemas de monitoramento adotados pela municipalidade para o controle das concentrações. Prevendo-se níveis controláveis das emissões, respeitados os limites de concentração estabelecidos em lei, enquadram-se aquelas no conceito excipiente de poluição previsto no artigo 3o. , III, letra “e” da Lei 6.938/81, desautorizando qualquer adjetivação de significância ao impacto mensurado. Restaria mensurar os efeitos cumulativos dos poluentes atmosféricos sobre os corpos receptores. Nesse sentido, inda que haja dispersão para além dos limites municipais, há de se verificar a nocividade das mesmas, utilizando-se parâmetros científicos confiáveis e diretrizes legais estabelecidas. Para esse exercício, foge a qualquer raciocínio de lógica jurídica transferir-se a sede de licenciamento, do município para a esfera estadual, para que se utilizem os mesmos parâmetros de mensuração, com resultados que podem ser auferidos pela autoridade municipal, balizando da mesma forma sua decisão sem prejudicar o cumprimento da lei. Tais impactos, vistos nesses parâmetros, não retiram o interesse local prevalente a determinar o licenciamento municipal. A significância do chamado impacto intermunicipal deve ser, portanto, de natureza conflituosa, para reclamar uma transferência de esfera de competência federativa, caso contrário, prevalece a avaliação e a jurisdição municipal, pois, preponderantemente, a gestão ambiental, é de ordem territorial, e o seu ordenamento, via de regra compete ao município, resguardado sua autonomia. IX. Conclusão Face ao exposto, admissível e recomendável o licenciamento ambiental pelo Município, posto constituir unidade autônoma hierarquicamente equiparada à União e aos Estados, conformando a República Federativa do Brasil, nos termos da Constituição de 1988. Deve a legislação ambiental ser aplicada de acordo com o ordenamento constitucional, atendendo-se à nova hermenêutica federativa, e à exegese de inserção municipal no Sistema Nacional de Meio Ambiente. A competência municipal para o licenciamento de atividades potencialmente poluidoras, rege-se, constitucionalmente, pelo princípio da atratividade, inserido no conceito prevalente do interesse local, conforme dispõe o artigo 30 da Carta de 1988, reforçado legalmente pelo conceito de área de influência, aposto na diretriz de planejamento territorial, distribuição espacial da população e das atividades econômicas, conferida à sustentabilidade das cidades pelo Estatuto da Cidade. É perfeitamente factível o licenciamento ambiental municipal de obras de impacto ambiental significativo, desde que inseridas integralmente na sua jurisdição, mesmo que produzam impacto ambiental residual que transcendam os limites do seu território, vez que a constituição e a legislação atribuem ao Município competência para tanto. O licenciamento ambiental de obras de impacto significativo deve ser efetuado de maneira simplificada pelo Município, articulado com o interesse dos demais entes federados, firmando-se a organização municipal como a primeira unidade de controle territorial da Federação Brasileira.
08 mar., 2022
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro BREVE HISTÓRICO No Brasil, já na década de setenta, encontramos precedentes ao Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta previstos na Legislação de Controle da Poluição dos estados. Um bom exemplo é o art. 96 do Regulamento da Lei º da lei nº 997, de 31 de maio de 1976, que permitia à autoridade conceder prazos para adequação da fonte poluidora à legislação. A figura do Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta como é hoje definida, foi inicialmente prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1989, o qual reza, que: “os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados, compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, o qual terá eficácia de título executivo extrajudicial” (art. 211). A seguir, o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 11.09.1990), alterou a Lei da Ação Civil Pública, ao admitir que, em defesa de quaisquer interesses metaindividuais, e não apenas dos consumidores, os órgãos públicos legitimados à Ação Civil Pública possam tomar dos interessados, compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante comunicações, tendo esse compromisso eficácia de título extrajudicial (art. 113, § 6º). Assim, o Código de Defesa do Consumidor adicionou os parágrafos 4º, 5º e 6º ao art. 5º da Lei de Ação Civil Pública (Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985), os quais serão adiante analisados. Por outro lado, a Lei de Crimes Ambientais acaba também por estimular a solução transacional do próprio ilícito civil, uma vez que é condição para a proposta de transação penal a prévia composição do dano na esfera cível, salvo em caso de comprovada impossibilidade, conforme se infere do art. 27 da Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Vale mencionar que a transação penal a que se refere o referido artigo está prevista no art. 74 da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. Ainda no âmbito penal, o Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta foi inserido pela Medida Provisória nº 1.710, que adicionou o art. 79-A na Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998), autorizando os órgãos ambientais integrantes do SISNAMA a celebrar, com força de título executivo extrajudicial, termo de compromisso com pessoas físicas ou jurídicas responsáveis pela construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais considerados efetiva ou potencialmente poluidores. No Estado de São Paulo, a Resolução nº 05, de 07.01.97 da Secretaria do Meio Ambiente instituiu o Compromisso de Ajustamento de Conduta Ambiental, com força de título executivo extrajudicial, no âmbito da SMA, da CETESB e da Fundação Florestal, cujo anexo possui modelo de conteúdo do instrumento. No dia 18.08.1998, esta mesma secretaria do Estado de São Paulo, regulamentou a celebração dos Termos de Compromisso previstos no art. 79-A da Lei de Crimes Ambientais, através da Resolução SMA 66/98. Definição e Objetivos Em tese, Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta é o ato jurídico pelo qual a pessoa, reconhecendo implicitamente que sua conduta ofende ou pode ofender interesse difuso ou coletivo, assume o compromisso de eliminar a ofensa ou o risco através da adequação de seu comportamento às exigências legais, mediante a formalização de termo com força de título executivo extrajudicial. É o Termo, portanto, um contrato firmado pelo interessado junto ao ente da Administração Pública legitimado a agir na tutela do direito em causa, contrato esse marcado por uma tração no sentido da busca de uma das partes em adequar-se à determinadas condições postas pela outra, dentro de parâmetros legais aplicáveis. “O mecanismo, apesar de inovador e de incentivar a atuação preventiva dos legitimados públicos, com vistas à tutela dos interesses relevantes da sociedade, deve necessariamente sofrer um intensivo controle judicial, de legalidade e de validade, para que não se transforme em objetivos divorciados da proteção ambiental”. (1) Partes do Compromisso Dos Compromissários. Os Órgãos Públicos legitimados a tomarem dos interessados Compromisso de Ajustamento de sua conduta às exigências legais, são as pessoas dotadas de personalidade jurídica de direito público, da administração direta (União, Estados, Municípios, Distrito Federal), relacionadas à administração da justiça (Ministério Público) ou da administração indireta (Fundações de Direito Público, Autarquias, Fundação Privada instituída pelo Poder Público, Empresa Pública e ,Sociedades de economia mista). Importante salientar, que a fundação privada, a empresa pública e a sociedade de economia mista estão legitimadas a tomar o compromisso quando exercem função típica da administração pública, como por exemplo fiscalização do meio ambiente, como é o caso da CETESB (agência ambiental paulista), ou com interesse processual na tutela do direito em causa (SABESP, CEDAE – empresas de saneamento estaduais de SP e RJ). As associações privadas enquadradas no art. 5º, I e II da Lei 7.347/85, embora legitimadas a agir em juízo na defesa do meio ambiente, não são legitimadas para firmar termo de compromisso, uma vez que não são órgãos públicos. Portanto, que nem todos os legitimados à Ação Civil Pública ou Coletiva podem tomar compromisso de ajustamento, mas somente os Órgãos Públicos legitimados à agir em juízo. Com a introdução das novas Organizações Sociais, no entanto, autorizadas pela Lei Federal nº 9.637/98 a assumir por contrato a gestão de bens públicos ambientais, é de se questionar a limitação imposta pelo parágrafo 6º do art. 5º da Lei da Ação Civil Pública, pois que estes novos entes, embora de caráter privado (associações), agirão no interesse público, submetendo-se á legislação administrativa, inclusive quanto à observância da lei de licitações, no caso de assumirem gestão de bens e serviços públicos, enquadrando-se como entes da Administração Indireta do Estado. É certo que poderão, portanto, tomar Compromissos de Ajustamento de Conduta dos interessados. Da atuação do Ministério Público Se o compromisso for judicial, a presença do Ministério Público é obrigatória, seja quando for o autor da Ação Civil Pública, seja quando atuar como fiscal da lei. Tudo em respeito ao disposto no art. 127 da Constituição Federal, onde é conferida ao Ministério Público a defesa dos interesses difusos e coletivos cc. Lei 7.347/85. Já quando o instrumento for extrajudicial, o que, mormente ocorre, entendemos que a presença do Ministério Público é optativa e não obrigatória, haja vista a autonomia do Órgão Público legitimado para celebrar o aludido Compromisso. Dos compromitentes Já a natureza jurídica do compromitente é irrestrita, uma vez que qualquer pessoa, física ou jurídica, de direito público ou privado, pode assumir o compromisso, quando reconhecer que sua conduta afeta interesses difusos e coletivos. Válido mencionar ainda, que, se vários forem os interessados, todos poderão figurar, conjuntamente, como compromitentes do termo de ajustamento, podendo este ser denominado compromisso pluripessoal (recebe a mesma denominação quando for mais de um compromissário, o que é bastante inusitado). Da mesma forma, mais de um ente público poderá integrar o polo dos tomadores do compromisso, inclusive assumindo obrigações perante demais contratados, obviamente, neste caso, se o ônus assumido estiver dentro de sua esfera de atribuição legal. Natureza Jurídica De início, entendiam alguns que, a natureza jurídica do Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta era de ato jurídico unilateral quanto à manifestação volitiva, na medida que o compromitente reconhecia, implicitamente, a ilegalidade da conduta e assumia o compromisso de se adequar à lei. Isso é válido para a grande maioria dos casos em que caracterizada está a infração e a possibilidade de adequação do infrator às exigências legais. No entanto, há casos em que a realidade não se enquadra na forma da lei, sendo verdadeira leviandade pretender que a matéria seja moldada pelo papel. Isso é fenômeno corrente em países como o Brasil onde há sensível disparidade tecnológica e funcional, não exercendo o Poder Público o devido controle sobre as atividades exercidas em seu território. Nesse sentido, moderna corrente utiliza o Termo de Compromisso como instrumento de mediação e solução de conflitos de interesses de natureza difusa, em especial os de caráter ambiental, compreendendo que a dinâmica econômica e social, muitas vezes, não é acompanhada pela estrutura administrativa posta pelo Poder Público, havendo demanda excedente que nem sempre se resolve com a aplicação fria do texto da lei. O Termo de Compromisso passa a ser, portanto, de natureza contratual e bilateral, sendo verdadeira hipocrisia considerá-lo mero sucedâneo do termo de confissão com efeitos civis. É certo que a Administração Pública não pode transigir com seu dever-poder, posto que só lhe é permitido agir quando expressamente autorizado pela lei, dentro de seus limites (princípio da reserva legal). No entanto, o dever de agir nos termos da lei, na busca da adequação de atividades de interesse econômico e social leva a autoridade a se esforçar para aplicar a lei exegeticamente, atendendo ao disposto no art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, visando atender aos fins sociais a que se destina e às exigências do bem comum. A intransigibilidade para com o meio ambiente, posto tratar-se de bem comunal, constitucionalmente tutelado, não há de ser confundida com a rigidez, quase cadavérica, na aplicação fria da lei, praticada por alguns operadores do direito, em especial determinadas correntes hoje incrustadas na Administração Pública. De fato, não se admite que determinados administradores, ou mesmo membros do Ministério Público, apeguem-se a preciosismos legais para nada decidir, em prejuízo do próprio meio ambiente. Nesse sentido, a legislação em vigor ao instituir o Termo de Compromisso, reconhece, expressamente, a necessidade de flexibilização na aplicação de parâmetros legais quando a matéria diz respeito a interesses difusos, com destaque para o meio ambiente e as relações de consumo. Do objeto do Termo de Compromisso O objeto do Termo de Compromisso não é, como muitos pensam, o meio ambiente propriamente dito, mas sim o ajuste de determinada conduta às exigências legais, dentro de condições de modo, tempo e lugar do cumprimento de obrigação de mitigar os efeitos danosos causados ao meio ambiente. Tais condições devem ser possíveis de fato, jurídica e economicamente, além de lícitas, de modo a possibilitar sua mensuração econômica, e dotadas de liquidez, ou seja, certas quanto à sua existência e determinadas quanto ao seu objeto (Código Civil, art. 1.533). (2) Formalização A instrumentalização formal do Termo de Compromisso é imprescindível, face à sua natureza pública. Deve o instrumento ser escrito de forma clara, explicitando-se a atividade objeto do compromisso, assim como as medidas reparatórias e remediadoras, tudo dentro de período pré-fixado, sob pena de tornar-se inócuo. Aplica-se, ao Termo de Compromisso, o mecanismo dos considerandos, como forma de estabelecer os parâmetros de boa-fé norteadores da interpretação das cláusulas constantes no instrumento. Nesse diapasão, os “considerandos” devem explicitar a capacidade e o interesse jurídico das partes envolvidas, a situação conflituosa ou de inadequação legal que visa o instrumento solucionar, bem como os parâmetros gerais hermenêuticos e exegéticos que deverão informar as cláusulas. As cláusulas do Termo de Compromisso, por sua vez, devem buscar a maior objetividade possível, não se admitindo, por exemplo, exigências como “recomposição da Área de Preservação Permanente de acordo com a flora e fauna característicos”, sem que se aponte que espécimes da flora e fauna devem ser repostos, ou se tenha remissão expressa a laudo técnico constante nos autos do processo administrativo. Como qualquer contrato formal, o Termo de Compromisso deve conter: i) no seu preâmbulo a qualificação das partes (compromissário e compromitente); ii) identificação do ecossistema efetiva ou potencialmente afetado pela conduta ilegal ou conflituosa, com descrição de potenciais riscos ou danos por ela ocasionados; iii) os benefícios ambientais que visam ser alcançados com o cumprimento das obrigações estabelecidas no Termo de Compromisso; iv) detalhamento técnico das obrigações a serem cumpridas; v) estabelecimento das condições de tempo, modo e lugar do cumprimento das obrigações de fazer e/ou não fazer; vi) cláusula penal; vii) data em que foi celebrado o Termo de Compromisso; viii) foro para dirimir dúvidas decorrentes do compromisso (vg. no local do dano, ex vi do art. 2º da Lei nº 7.347/85) Princípios Constitucionais que devem revestir o Termo de Compromisso –art. 37 Legalidade O administrador público está, em toda sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da Lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de se configurar abuso de poder ou desvio de finalidade. Assim, por se tratar o Termo de Compromisso de um instrumento que visa dar soluções a conflitos de adequação legal, a aplicação da Lei não deve ser restrita, mas sim exegética, visando a finalidade social, que é a normalização econômica, com sustentabilidade ambiental. Deve também ser observado o princípio “o particular pode agir no vácuo da Lei, mas a Administração Pública pode agir somente quando autorizada por ela”. Publicidade Tendo em vista o interesse público de que se reveste o Termo de Compromisso, uma vez que se busca a retratação de interesses difusos e coletivos ofendidos pela conduta, o princípio da publicidade deve estar presente. Desse modo, o Termo de Compromisso deve ser publicado ao menos no Diário Oficial, para que todos os interessados possam conhecer o seu conteúdo. Moralidade Administrativa Pressuposto de validade de todo o ato da administração pública. A moral administrativa é imposta ao agente público para sua conduta interna, segundo as exigências da instituição a que serve e a finalidade de sua ação: o bem comum. (3) Desta forma, deve o Termo de Compromisso atender aos padrões morais de probidade, precisa ser estar dentro dos parâmetros de equidade, não configurar privilégio, e não ser unilateral a ponto de se tornar abusivo. Proporcionalidade As medidas mitigadoras e compensatórias, bem como os prazos de adequação exigidos, devem atender as demandas de ordem técnica e legal, de maneira proporcional ao dano potencial ou efetivo. Eficiência Princípio estabelecido na CF no bojo do processo de reforma da Constituição. Diz respeito à necessidade do Estado agir eficazmente e com presteza na solução de conflitos, visando exercer sua autoridade territorial. Assim, ao celebrar o Termo de Compromisso o Estado deve ser prestativo, não se admitindo, portanto, os famosos atrasos e entraves burocráticos que acabam por tornar ineficaz qualquer ação saneadora, traindo os objetivos legais que justificam o Termo de Compromisso. O Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta e a Transação O Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta Ambiental é revestido, basicamente, do compromisso de fazer e/ou não fazer, uma vez que seu objetivo principal é ajustar sua conduta às exigências legais ou dirimir conflitos dentro dessas exigências. Já no caso da impossibilidade de reparação dos danos causados, o interessado no Termo de Compromisso buscará adotar medidas compensatórias, que não se confundem com mera indenização. Assim, o compromisso de adequação à lei supera as raias da confissão de dívida, mesmo que contenha cláusula de indenização. O Termo de Compromisso, por outro lado, não se confunde com Transação, na acepção civil deste instituto. Segundo dispõe o Código Civil, é lícito aos interessados prevenirem, ou terminarem o litígio mediante concessões mútuas (art. 1.025), sendo que somente quanto a direitos patrimoniais de caráter privado se permite a transação (art. 1.035). Verifica-se, portanto, ser necessária a presença do litígio na transação, sendo que as concessões nela previstas são recíprocas, com vistas à sua extinção. O Termo de Compromisso, por outro lado, versa sobre interesse difuso, indivisível, e quando de natureza ambiental, relacionado à bem de uso comum do povo (art. 225, Constituição Federal), sendo, portanto, direito indisponível, defeso sobre ele transigir. Como muito bem salientado pelo Ilustre jurista Dr. José Rubens Morato Leite, “trata-se, na verdade, de um instrumento de tutela de interesses metaindividuais preventivo e inibitório, em concepção diversa dos institutos do direito civil existentes e objetivando regular uma ordem social e jurídica diferenciada”. (4) Compromisso de Ajustamento de Conduta firmado antes de proposta a Ação Civil Pública Quando o Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta for firmado anteriormente à Ação Civil Pública, desaparece o interesse de agir das partes compromissadas, necessário à propositura da referida ação. Se o Termo de Compromisso for formalizado no curso de Inquérito Civil -procedimento judicialiforme presidido pelo Ministério Público, não haverá mais ensejo para ajuizamento da Ação Civil Pública, quer para o Ministério Público, quer para qualquer outro legitimado, a menos que o autor da Ação comprove cabalmente a existência de resíduo jurídico-material não abrangido ou atingido pelo Termo. Assim, desde que o compromisso abranja todos os pontos objetivados no inquérito, o Ministério Público promoverá o arquivamento dos autos, ato a ser revisto pelo Conselho Superior do Ministério Público. (5) Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta firmado no curso de Ação Civil Pública O TAC efetuado no bojo do processo, para ter validade, depende de homologação judicial, portanto, não é mais um Termo de Compromisso nos moldes do estabelecido pelo art. 5º da Lei da Ação Civil Pública, uma vez que se trata de título executivo judicial. Não se trata também de reconhecimento da procedência do pedido, posto que possível, no bojo do ajuste, a adoção de medidas não só reparatórias, como mitigadoras e compensatórias, instrumentos reconhecidos pela Política Nacional do Meio Ambiente e aplicáveis exegeticamente à Ação Civil Pública, no atendimento das demandas caracterizadoras da tutela dos interesses difusos: autonomia e qualidade de vida. Assim, Termo de Compromisso não significa reconhecimento da procedência do pedido, posto ser efetuado no interesse da adequação da atividade questionada no processo aos parâmetros de compatibilização do desenvolvimento econômico social com a preservação ambiental, visando à preservação e restauração de recursos ambientais, com vistas a sua utilização racional e disponibilidade permanente (incisos I e VI, do art. 4º, da Lei 6.938/81). Desta forma, se o réu da Ação Civil Pública firmar Termo de Ajustamento de Conduta perante o órgão jurisdicional, sobrevindo sua homologação judicial, o processo será extinto com julgamento do mérito, com base no disposto no art. 269, III, do Código de Processo Civil. O Termo de Compromisso constitui-se, portanto, em transação, cujo objeto, saliente-se, não é o meio ambiente propriamente dito, e sim as condições de modo, tempo e lugar de cumprimento das obrigações de recuperar o meio ambiente. O Termo de Compromisso, a teor do art. 5º da Lei da Ação Civil Pública, não carece de homologação judicial para que surta efeitos, no entanto, ressalte-se mais uma vez, firmado em juízo, a sentença que o homologar constituirá título executivo judicial. Existe, no entanto, uma outra situação em que o compromisso é firmado no curso de Ação Civil Pública, porém fora do processo, perante o autor da ação ou o Ministério Público (caso seja este apenas interveniente). Neste caso, abrangendo o Termo de Compromisso todo o objeto da ação, esta perde seu objeto. Da mesma forma, ocorrendo Termo de Compromisso perante o órgão fiscalizador competente para atuar na tutela do objeto em causa, e não sendo este o autor da ação, pode ocorrer a perda do interesse de agir pelo autor do pedido, principalmente se este for associação civil ou órgão não diretamente responsável pela tutela do bem em testilha. Sendo assim, deve o juiz decretar o processo extinto sem julgamento do mérito, na forma do que dispõe o art. 267, VI, do Código de Processo Civil, inteiramente aplicável à espécie. Do prazo do compromisso A determinação do prazo conferido ao compromitente para adequar seu empreendimento às normas ambientais é condição “sine qua non” para a validade do Termo de Compromisso. O estabelecimento de cronograma da execução também é bastante recomendável, na medida em que facilita sobremaneira a fiscalização do cumprimento das obrigações por parte do Órgão Público. A Medida Provisória que inseriu o art. 79-A à Lei de Crimes Ambientais, reza que o prazo de adequação às normas estabelecido no Termo de Compromisso não poderá ser superior a três anos, sendo prorrogável por mais três, caso necessário. Entendemos, aliás, que o limite legal imposto pela MP fere o princípio da proporcionalidade, pois o prazo estabelecido, atinente somente aos casos ali elencados (atividades anteriores à edição da Lei 9.605/98) pode ser suficiente em muitas hipóteses mas ínfimo para outras. Da execução Termo de Compromisso O Termo de Compromisso, como reza o § 6o. do art. 5o. da Lei 7.347/85, forma título executivo extra-judicial, e o nele contido gera presunção iuris tantum. Isso significa que o título executivo que o representa pode ser imediatamente objeto de ação de execução no caso de descumprimento por parte do compromitente das obrigações que nele assumiu. Tratando o Compromisso de obrigação de fazer, incidirão as normas dos arts. 632 a 641 do Código de Processo Civil. Assim, proposta a execução, o juiz fixará prazo para que a obrigação seja cumprida; não o fazendo, pode o Órgão Público compromissário requerer ao juiz que a obrigação seja cumprida por terceiro à custa do devedor, em consonância ao dispositivo legal supramencionado, independente da multa fixada. Se o Compromisso for de obrigação de não fazer, incidirão as normas dos arts. 642 e 643 do Código de Processo Civil. Assim, se o compromitente praticou ato cuja abstenção estava obrigado por lei, o Órgão Público compromissário poderá requerer ao juiz, na ação de execução, que fixe prazo para que o devedor o desfaça. No caso de recusa, o juiz poderá determinar o desfazimento à custa do devedor, respondendo este, em conseqüência, por perdas e danos. Do aditamento, retificação ou rescisão do compromisso O Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta pode ser retificado, aditado ou mesmo rescindido como os atos jurídicos em geral, ou seja, de maneira voluntária, pelo mesmo procedimento pelo qual foi feito, sendo tais atos justificados técnica e legalmente. Admite-se, da mesma forma, rescisão contenciosa, por meio de ação anulatória. Conclusão O Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta Ambiental é um valioso instrumento de que devem se valer os interessados em atender a exigências legais de ordem ambiental, mitigar ou remediar danos iminentes ou causados ao meio ou mesmo solucionar ou prevenir conflitos de ordem ambiental que afetem o licenciamento de atividades ou sua continuidade. Outra vantagem importante é que se evita o desgaste da imagem da empresa, assim como desafoga o judiciário, que já se encontra sobrecarregado. Ademais, a rapidez na solução dos conflitos ambientais é fundamental para evitar o agravamento dos danos e, sob essa ótica, o Termo de Compromisso é o melhor instrumento para solução extra-judicial dos mais eficazes, desde que seus operadores igualmente evitem procedimentos excessivamente litúrgicos e burocráticos, apoiando-se, ao contrário, em ações técnicas e objetivas. Notas: 1 – Clemes, Sérgio. Apontamentos sobre a possibilidade de transação dos interesses difusos na lei brasileira. In: Oliveira Júnior, José Alcebíades e Leite, José Rubens Morato (coord.) Cidadania Coletiva. Florianópolis: Parelelo 27; 1996, p. 180. apud Leite, José Rubens Morato. Dano Ambiental: do individual ao coletivo, extrapatrimonial. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais; 2000; p. 264. 2 – Fink, Daniel. Roteiro de aula proferida no Curso de Direito Ambiental da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo; 2000. 3 – Meirelles, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Edit.Malheiros. 20ª Ed.; 1995. 4 – Clemes, Sérgio. Apontamentos sobre a possibilidade de transação dos interesses difusos na lei brasileira; apud Leite, José Rubens Morato. Dano Ambiental: do individual ao coletivo, extrapatrimonial. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais; 2000; p. 266. 5 – Vide Súmula nº 04 do Conselho Superior do Ministério Público. BIBLIOGRAFIA Clemes, Sérgio. Apontamentos sobre a possibilidade de transação dos interesses difusos na lei brasileira. In: Oliveira Júnior, José Alcebíades e Leite, José Rubens Morato (coord.) Cidadania Coletiva. Florianópolis: Parelelo 27; 1996, p. 180. apud Leite, José Rubens Morato. Dano Ambiental: do individual ao coletivo, extrapatrimonial. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais; 2000. Clemes, Sérgio. Apontamentos sobre a possibilidade de transação dos interesses difusos na lei brasileira; apud Leite, José Rubens Morato. Dano Ambiental: do individual ao coletivo, extrapatrimonial. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais; 2000. Filho, José dos Santos. Ação Civil Pública – Comentários por Artigo. Rio de Janeiro: Edit. Lúmen Júris. 2ª Ed.; 1999. Fink, Daniel. Roteiro de aula proferida no Curso de Direito Ambiental da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo; 2000. Leite, José Rubens Morato. Dano Ambiental: do individual ao coletivo, extrapatrimonial. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais; 2000. Mazzilli, Hugo Nigro. O Inquérito Civil. São Paulo: Ed. Saraiva; 1999. Meirelles, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Edit.Malheiros. 20ª ed.; 1995. Milaré, Edis. Tutela jurídico-civil do ambiente. In: Revista de Direito Ambiental nº 0. São Paulo: Edit. Revista dos Tribunais; s/d. Vigliar, José Marcelo Menezes. Ação Civil Pública. São Paulo: Edit. Atlas. 3ª Ed.; 1999.
08 mar., 2022
Por Karina Pinto Costa Mekhitarian O Direito Ambiental, diferente de outros ramos do Direito (Direito Civil, Direito do trabalho, Direito Penal, etc.) não possui um Código que forme a espinha dorsal da disciplina legal. E não poderia ser diferente! Por ser o meio ambiente dinâmico e não estático, constantemente surgem normas relacionadas a esta matéria nos três níveis da federação (federal, estadual e municipal), o que acaba dificultando a área técnica e os operadores do direito em razão das normas ambientais se encontrarem esparsas no mundo jurídico. Apesar disso, a legislação ambiental brasileira é considerada uma das mais avançadas do mundo e que abarca todas as normas reguladas pelo Poder Público sobre o controle ambiental. São instituídas a todo momento normas específicas (Leis Complementares e Ordinárias, Decretos, Resoluções, etc.) para tratar do setor de saneamento, portuário, minerário, imobiliário, industrial, de energia, florestal, etc. Assim, torna-se necessário contextualizar os projetos e atividades afetados por esse turbilhão legal. Um bom instrumento para essa contextualização é o Relatório Jurídico. O Relatório Jurídico tem por objetivo apontar as mais relevantes normas ambientais, urbanísticas e regulatórias, aplicáveis à instalação e funcionamento de um Projeto estruturante. O Relatório pode também mapear as principais restrições e riscos relacionados ao futuro empreendimento, a exemplo de portos e terminais portuários de uso privativo, hidrelétricas, PCHs, ETEs, ETAs, estações de transbordo de cargas (flutuantes ou onshore), aterros sanitários, áreas de mineração, empreendimentos imobiliários e industriais, entre tantos outros. De forma preventiva, ou seja, antes mesmo de se decidir pela submissão do procedimento de licenciamento ambiental do empreendimento, o empreendedor pode, por meio do Relatório, analisar as implicações legais decorrentes da possível localização do terreno, se em área especialmente protegida (unidades de conservação, área de preservação permanente, reserva legal, zona costeira, ecossistema marítimo e/ou fluvial, etc.), zoneamento e normas de uso e ocupação do solo do Município afetado, entre outros. Esse cuidado pode evitar muita dor de cabeça e minimizar custos! O levantamento e análise da legislação ambiental, urbanística e demais normas aplicáveis ao empreendimento, nos níveis federal, estadual e municipal, aponta quais licenças/autorizações/outorgas/cadastros serão necessárias para operação de atividade pretendida. O conhecimento, experiência e ética da equipe encarregada, poderá conferir a necessária visão crítica no bojo do documento. A atuação da área jurídico-ambiental preventiva ou de avaliação do contexto existente, pressupõe intercâmbio contínuo de informações com demais consultores, especialmente a engenharia, visto que as soluções encontradas pela seara técnica devem ser analisadas à luz da legislação ambiental, com objetivo de prever e evitar potenciais conflitos. Assim, para que o empreendedor possa equacionar os conflitos durante o desenvolvimento do projeto ou incidentes na atividade, é fundamental realizar diagnóstico do arcabouço normativo aplicável. O Relatório é importante meio de orientação à empresa no processo de tomada de decisão quanto ao enfrentamento de restrições legais ou conflitos de ordem territorial ou socioambientais. Como um Relatório de Análise de Viabilidade Ambiental de Empreendimento, são apresentadas as principais conclusões, recomendações e proposição de ações estratégicas para condução do processo, seja de licenciamento, implantação ou manutenção da atividade. Até para que o empreendedor e/ou investidor obtenham informações essenciais sobre determinado imóvel ou áreas pré-selecionadas para instalação do empreendimento, faz-se necessário conhecer os aspectos jurídico-ambientais e institucionais que possam representar riscos ou entraves ao procedimento de licenciamento ambiental da atividade. Portanto, o Relatório é ferramenta essencial para qualquer gestão precavida na economia das empresas e mesmo de entes públicos.
08 mar., 2022
Por Antonio Domingos Dal Más Em 01 de janeiro de 2021, com exceção dos prefeitos que serão reeleitos teremos um contingente muito grande de novos prefeitos que assumirão pela primeira vez o comando de vários municípios no Brasil. Com eles, assumirão novas equipes de governo formadas por secretários, diretores e assessores nomeados, que irão ingressar no serviço público sem concursos ou processos seletivos, pois assim autoriza a legislação e aconselha a política. A grande maioria dos novos integrantes nunca tiveram experiência profissional relacionada ao setor público. Alguns nem sequer tiveram relação profissional com a área específica que irá comandar dentro da administração. É o caso de secretários de obras que não possuem formação técnica, secretários de saúde com formação acadêmica em outras áreas como: direito, administração, etc., secretários de administração que nunca administraram sequer uma pequena empresa serão empossados. Isso ocorre por se tratar de pessoas ligadas ao prefeito, que ajudaram na coordenação da campanha eleitoral, doaram dinheiro para campanha, ajudaram montar os palanques do comício, cuidaram da segurança ou organização dos cabos eleitorais, amigos mais próximos, até quem realmente pensou no plano de governo. Num segundo momento virão os indicados pelos vereadores, principalmente os que darão apoio político aos prefeitos. O famoso e lamentável dá lá toma cá, que infelizmente é fruto de herança cultural difícil de se desvencilhar. A questão da competência profissional para ocupar um cargo importante na Administração Pública aparece quase sempre, como último requisito, isso se a pessoa não tiver ligações com partidos de oposição ao prefeito. Apesar disso, a funcionabilidade de todos os órgãos da administração será mantida pelos funcionários concursados que desenvolvem a tempos suas funções. Caberá aos novos gestores, aprimorar os serviços desenvolvidos, melhorar a qualidade, diminuir custos, para poderem investir em novos equipamentos públicos. Isso se tiver o empenho da grande parte dos funcionários públicos concursados, que na maioria das vezes estão desmotivados por questões salariais, falta de capacitação/especialização, quando não se sentem desprestigiados por verem pessoa estranha em cargo superior imediato. Temos ainda, a questão da estabilidade no emprego público para os concursados, um problema que proporciona uma “segurança” para os profissionais que, na grande parte, considera só precisar fazer o básico da função (porque não serão demitidos). Muito comum novos gestores ouvirem dos servidores a seguinte frase após uma reprimenda ou cobrança: “Você pode até tentar me prejudicar de alguma forma, mas nunca esqueça que quando você chegou, eu estava aqui e quando você sair eu vou continuar aqui”. As dificuldades maiores para gerir os municípios terão os prefeitos eleitos pela primeira vez e como oposição. Esses serão vigiados mais intensamente pelos opositores que não apoiarão e farão o possível para que as coisas não deem certo. Nesse momento a falta de experiência no setor público será cruel. A maioria dos gestores assumirão cargos sem nunca ter lido a Lei Orgânica do Município, não terá conhecimento da arrecadação e despesas, por que não entenderá, ainda que veja balanços financeiros dispostos geralmente de forma nem sempre clara no portal da transparência do município. Novos gestores lidarão com um contingente de funcionários desmotivados principalmente por defasagem salarial. Não raro em pouco tempo começam as cobranças e reivindicações. Os gestores terão como fiscais de suas ações: a Câmara de Vereadores, Ministério Público, Tribunal de Contas Estadual e Federal; Órgãos Estatais (no caso de convênios públicos) e principalmente a população, que não dará tréguas, principalmente quando um interesse particular estiver em questão. A máquina pública no Brasil é feita para não funcionar. Para cada agente de execução há pelo menos cinco de fiscalização. Com os atuais hábitos sociais, principalmente a velocidade das informações, serão cobrados diuturnamente nas redes sociais, onde serão escrachados publicamente pelos seus atos, ou pela omissão deles. Uma máquina de moer reputação. Além das dificuldades a serem enfrentadas pela falta de experiência de gestão pública, a falta de experiência política dos novos prefeitos será outro grande entrave para administrar. A boa relação com a Câmara Municipal é fundamental, uma vez que o contrário pode até inviabilizar o próprio mandato de 4 anos, além de que, mudanças legislativas, novas Leis, aprovação das contas anuais, aprovação e suplementações da Lei de Diretrizes Orçamentárias e outras de interesse da Administração, serão questões do cotidiano da Administração. A boa relação com os Gestores Públicos Estaduais e Federais será muito importante para formalização de convênios públicos para obtenção de verbas para investimentos em infraestrutura (casas populares, saneamento básico, pavimentação, creches, escolas, equipamentos para saúde, etc.). De nada adiantará uma boa relação com essas esferas públicas, se a prefeitura não possuir um bom quadro técnico para produzir os projetos exigidos e fazer as devidas prestações de contas ao final dos convênios. Será necessário também articulação política com a Assembleia Estadual e Câmara Federal, além do Senado, para recebimento das famosas emendas parlamentares, as quais muitos deputados e senadores distribuem como se fosse dinheiro de sua propriedade e consideram a destinação, um favor ao município. A retribuição do prefeito será atrair votos para eles, nas próximas eleições. O Cargo de Prefeito Municipal exige muito mais que carisma e simpatia. Para fazer uma gestão eficiente é necessário, dentre vários atributos, principalmente: ter timbre de administrador, equilíbrio emocional, determinação, persistência, entrega pessoal e contar com uma boa equipe de assessores. Como reflexão fica aqui a frase que ouvi do ex-prefeito, Hélio Gomes (in memoriam) da cidade de Presidente Epitácio – SP, “O Prefeito é um sujeito que quando ri, um monte de gente ri com gargalhadas ao lado dele, mas quando ele chora, o faz sempre sozinho”.  Está na hora de se pensar na criação de um núcleo de gerência das cidades, permanente, profissionalizado e disponibilizado, tornando a gestão pública mais eficiente, com profissionais qualificados que administrem tecnicamente a máquina pública em conjunto com as ações políticas comandadas pelos prefeitos.
11 jan., 2022
AO INVÉS DE REDUZIR A BUROCRACIA, O NOVO MARCO ABRE PORTAS PARA O EXCESSO DE REGULAÇÃO NO SETOR Por Rodrigo Vieira das Neves de Arruda Embora o ser humano, algumas vezes, se assuste com novidades, elas sempre empolgam e nos deixam com a sensação de que estamos avançando, progredindo e, até mesmo, superando algo obsoleto rumo a modernidade, ainda que seja apenas por alguns instantes. No caso do setor energético não foi diferente, houve um enorme furor com a reforma do marco regulatório gaseífero, desde que se apresentava como um embrionário projeto, o qual foi aumentando conforme sua tramitação avançava e chegou ao ápice quando passou a produzir efeitos no mundo jurídico. A recém sancionada Lei n° 14.134/2021 , chamada de “nova lei do gás”, foi muito celebrada pelos órgãos reguladores e, até mesmo, por parte dos estudiosos do setor de energia, como sendo capaz de atrair novos investidores no mercado, aumentar a concorrência e gerar mais competitividade para reduzir os custos de produção e o preço final para o consumidor. Nos debates acerca do tema, é muito comum se ouvir que a Nova Lei do Gás seria um marco transformador no desenvolvimento de um novo mercado de gás natural no Brasil, pois promove a modernização do setor, em linha com as melhores práticas internacionais. Além disso, o Governo Federal informou que as estimativas projetadas pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) são de que este novo marco regulatório gere investimentos entre R$ 50 bilhões e R$ 60 bilhões, com a produção de gás natural triplicando até 2030. A nova Lei do Gás poderá gerar quatro milhões de empregos em cinco anos e acrescentar 0,5% de crescimento ao PIB nos próximos dez anos1. Entretanto, uma leitura mais minuciosa do texto aprovado faz nosso otimismo frear, ao vislumbramos que, na realidade, não se buscou a tão enaltecida segurança jurídica, mas sim controle estatal excessivo, com a criação de regras que, muitas delas, são contraditórias entre si, como, por exemplo, o uso de autorização em vez da concessão para a exploração do transporte de gás natural pela iniciativa privada, tendo que, para tanto, desconsiderá-la como prestação de serviço público, pois que a autorização apenas pode ser utilizada para atividades privadas. O novo marco regulatório do gás diz ainda que as autorizações não terão tempo definido de vigência e somente podem ser revogadas a pedido da empresa nas seguintes situações: se ela falir ou descumprir obrigações de forma grave; se o gasoduto for desativado ou se a empresa interferir ou sofrer interferência de outros agentes da indústria do gás, indo na contramão do direito administrativo clássico, que define a autorização como ato precário. Outra medida que merece ser destacada é o fato de o texto vedar que uma mesma empresa possa atuar em todas as fases, da produção e extração até a distribuição, sob a justificativa de favorecer a desconcentração do mercado, impedimento que faria mais sentido caso se tratasse de serviço público. Na mesma linha, o texto da lei estabelece que a ANP deverá acompanhar o mercado de gás natural para estimular a competitividade e reduzir a concentração, usando mecanismos como a cessão compulsória de capacidade de transporte, escoamento da produção e processamento; obrigação de venda, em leilão, de parte dos volumes de comercialização detidos por empresas com elevada participação no mercado; e restrição à venda de gás natural entre produtores nas áreas de produção, se apresentando como mais uma intervenção Desse modo, a chamada “nova lei do gás, ao invés de resolver todos os problemas a que se propunha e trazer maior modernização e segurança para o setor, em linha com as melhores práticas da indústria internacional, acabou por trazer uma regulação quase soviética para o setor, com excesso de intervenção estatal, e que à médio e longo prazo poderá ser um verdadeiro Cavalo de Troia para os agentes regulados e quem hoje comemora como sendo, ela, sinal de avanço do setor energético nacional. NOTAS: 1 – Informações retiradas do site Agência Brasil. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2021-04/bolsonaro-sanciona-nova-lei-do-gas – Acesso em: 09/04/2021. Sobre o autor: Rodrigo Vieira das Neves de Arruda responde pela área de Regulatório e Energia do Escritório Pinheiro Pedro Advogados . Advogado formado pelo IBMEC – Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais – RJ e Mestre em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica – PUC/SP, é membro efetivo da Comissão de Direito da Energia da OAB/SP e professor dos Cursos de Especialização em Direito da Universidade Cândido Mendes (UCAM). Foi assessor da Procuradoria Federal na ANP – Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. Autor de várias obras publicadas, com destaque para o “Vade Mecum da Infraestrutur do Petróleo” e “Dicionário Jurídico do Petróleo” (ambos pela Ed. Riedeel – co-autor). Detentor do “Prêmio IBMEC de Excelência Acadêmica (2015).
01 nov., 2021
NOVA LEI MIRA MAIS NA ADMINISTRAÇÃO QUE NOS LICITANTES O direito, se não for o melhor lugar, é um dos mais fáceis para podermos observar a concretização da expressão “nada é para sempre”. Seu mundo está em constante transformação, e aquilo que outrora era sinônimo de vanguarda, muitas vezes, passa a ser obsoleto. Poderíamos justificar esse fato por ser o direito uma ciência social, mas vai além disso. Muitas vezes acontece por mudança de direcionamento do Governo, por pressões ou necessidade de adequações do diploma legal. Pois bem, o objeto de estudo do presente artigo não é aprofundar porque as mudanças acontecem, mas sim, tratar de uma alteração em especial – da já tradicional Lei de Licitações e Contratos. Até abril de 2021, ao mencionar licitações e contratos, quase automaticamente nos vinha à mente a, já famosa, lei nº 8.666/93, com suas virtudes e defeitos já conhecidos de cor. Além de unificar diversas regras constantes em diplomas legais e infralegais que tutelavam os procedimentos licitatórios e os contratos administrativos (só na esfera federal, tínhamos mais de 283 normas versando sobre licitações e contratos), o novo estatuto abrange também aspectos relacionados ao controle interno e externo das aquisições de bens e serviços por parte do Estado, o que o torna um verdadeiro Código de Licitações e Contratos. O cenário no qual surge a Lei nº 14.133/2021 é o de diversas críticas ao regime anterior, da Lei nº 8.666/1993, que, só para se ter uma ideia, trazia originalmente 12 hipóteses de dispensa de licitação e hoje contempla mais de 30, numa tentativa de contornar os procedimentos licitatórios 1 . Ao se buscar corrigir os problemas práticos decorrentes da Lei nº 8.666/1993, foram sendo promovidas alterações, conforme se verificava algum problema nova correção era processada, desde a sua promulgação, ela restou modificada 225 vezes (a última promovida pela Lei nº 14.130/2021) e ainda assim continuava problemática 2 . Isso tudo sem contar as normas contidas nas Leis nº 10.520/2002 (pregão) e nº 12.462/2011 (RDC), que também procuraram corrigir falhas contidas no regime “geral” da Lei nº 8.666/1993. Recentemente, com a pandemia da Covid-19 os problemas da Lei nº 8.666/1993 foram agravados e ela se mostrou ineficaz para atender às demandas da Administração Pública, razão pela qual foi criado um regime jurídico, excepcional, de emergência sanitária por meio das Leis nº 13.979/2020 e nº 14.124/2021 para afastar sua incidência. Diante de tudo que foi colocado até aqui, uma pergunta resta inevitável: A nova lei de licitações e contratos, esse “verdadeiro código”, avançou, ou traz os velhos problemas do diploma anterior? Não há uma resposta simples e direta para tal pergunta, pelo fato de que muito embora traga várias novidades, a nova Lei de Licitações não descartou por completo o regime anterior; tratou-se de uma tentativa de aperfeiçoar o modelo, unificando, como já dito, diversas normas legais, regras infralegais, positivando entendimentos do Tribunal de Contas da União (TCU) e acolhendo lições da doutrina. Os grandes avanços do diploma em questão dizem respeito ao controle os órgãos e entidades públicas devem instituir sua política de governança, implementando processos e estruturas, inclusive de gestão de riscos e controles internos, nos termos do Art. 11, p. ú. “Parágrafo único. A alta administração do órgão ou entidade é responsável pela governança das contratações e deve implementar processos e estruturas, inclusive de gestão de riscos e controles internos, para avaliar, direcionar e monitorar os processos licitatórios e os respectivos contratos, com o intuito de alcançar os objetivos estabelecidos no caput deste artigo, promover um ambiente íntegro e confiável, assegurar o alinhamento das contratações ao planejamento estratégico e às leis orçamentárias e promover eficiência, efetividade e eficácia em suas contratações” 3 . Notadamente, a governança se mostra ínsita à nova Lei e transmite seus mecanismos de liderança, estratégia e controle em todo o texto, a fim de avaliar, direcionar e monitorar a atuação da gestão das contratações públicas, objetivando que as aquisições agreguem valor ao negócio fim de cada órgão e entidade pública. De igual modo, a Lei em questão traz uma quantidade considerável de novos princípios para reger as licitações e os contratos administrativos, também relacionados, direta ou indiretamente à governança. Os novos princípios estão grifados abaixo, no trecho do artigo 5º do seu texto: Art. 5º Na aplicação desta Lei, serão observados os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da eficiência, do interesse público, da probidade administrativa, da igualdade, do planejamento, da transparência, da eficácia, da segregação de funções, da motivação, da vinculação ao edital, do julgamento objetivo, da segurança jurídica, da razoabilidade, da competitividade, da proporcionalidade, da celeridade, da economicidade e do desenvolvimento nacional sustentável, assim como as disposições do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro) 4 . (grifo acrescido) Nessa linha, podemos citar como exemplos de impactos da Lei nº 14.133/2021 nos órgãos de controle: a) atribuição expressa de competência ao órgão de assessoramento jurídico da Administração para realizar o controle prévio de legalidade de contratações diretas, acordos, termos de cooperação, convênios, ajustes, adesões a atas de registro de preços, outros instrumentos congêneres e de seus termos aditivos (artigo 53, § 4º); b) submissão das contratações públicas a três linhas de defesa integradas por servidores e empregados públicos, agentes de licitação, autoridades que atuam na estrutura de governança, unidades de assessoramento jurídico, unidades de controle interno, pelo órgão central de controle interno da Administração e pelo tribunal de contas (artigo 169, I, II e III); c) obrigatoriedade de adotar medidas de saneamento em caso de constatação de impropriedade formal, (artigo 169, § 3º, I); d) imposição legal de levar em consideração as razões apresentadas pelos jurisdicionados e os resultados obtidos com a contratação (artigo 170); e e) garantia de dialética e de imparcialidade na fiscalização (artigo 171, I e II) 5 . Pois bem, embora seja, inegavelmente, um avanço tornar mais eficaz e eficiente os processos licitatórios no país sob os aspectos das boas práticas de governança, esse aspecto não basta para que a Lei, como um todo seja considerada um avanço. Outro ponto positivo, é a sua aplicação em âmbito nacional, diferente do que acontecia sob a égide do regime anterior, Estados, Distrito Federal e os Municípios poderão aplicar os regulamentos editados pela União para execução da nova lei, medida que conferirá uniformização na aplicação das normas e, também, da atuação dos agentes públicos envolvidos nos procedimentos licitatórios. Porém, onde pouca coisa mudou, e o que mudou não trouxe grande impacto foi no tocante às modalidades de licitações. Além das já existentes, quais sejam, concorrência, pregão, concurso, e leilão, a Lei traz uma nova modalidade, o diálogo competitivo. Outrossim, extinguiu o convite, a tomada de preço e o RDC. Além disso, pelo regime anterior, a modalidade da licitação era definida ou pelo valor estimado da contratação ou pela natureza do objeto. A partir de agora, o que define a modalidade de licitação é apenas a natureza do objeto. Quanto à novidade introduzida pelo diploma em questão, o chamado “Diálogo Competitivo”, pode ser caracterizado como modalidade de licitação para a contratação de obras, serviços e compras em que a administração pública realiza diálogos com licitantes previamente selecionados mediante critérios objetivos, com o intuito de desenvolver uma ou mais alternativas capazes de atender às suas necessidades, devendo os licitantes apresentar proposta final após o encerramento dos diálogos; é restrita a contratações em que a administração vise a contratar objeto que envolva as seguintes condições: a) inovação tecnológica ou técnica; b) impossibilidade de o órgão ou entidade ter sua necessidade satisfeita sem a adaptação de soluções disponíveis no mercado; e c) impossibilidade de as especificações técnicas serem definidas com precisão suficiente pela administração. Esse instituto pode até tentar se vender como inovador, mas, na prática, se trata de uma espécie de Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) 6 , ainda um tanto obscura. Ademais, o sucesso dessa nova modalidade dependerá da união de dois fatores distintos: por um lado, que os órgãos da Administração criem um ambiente que promova segurança jurídica para as empresas, com ações pautadas em transparência e publicidade, atuando de forma técnica e eficiente na condução das negociações, e, por outro, que as empresas atuem com diligência e levem soluções efetivas para as negociações, a fim de que sejam vistas como efetivas colaboradoras nos diálogos. Ainda nesse ponto, cumpre ressaltar que o PMI tradicional é um instituto previsto na nova Lei de Licitações, no Art. 81 do diploma. Além da modalidade nova, houve algumas outras alterações pontuais, como a utilização de rito idêntico para o pregão e para a concorrência (Arts. 17, VI e 29, por exemplo), introdução nas contratações em geral de dois critérios de julgamento de propostas que só eram utilizados no RDC: maior desconto e maior retorno econômico (Art. 33, II e VI), entre outras. Porém, a única mudança efetivamente relevante para os licitantes, capaz de gerar impacto real é a possibilidade de saneamento de irregularidades na licitação (Arts. 59, I e 71, I), o que, para um novo diploma de licitações e contratos, é muito pouco. A ideia que a timidez nas inovações nos transmite é que o legislador se preocupou com os escândalos de corrupção, o que é louvável, mas não ouviu atentamente a todos os interessados nos certames, pois que diversas questões apontadas de forma recorrente, pelo setor privado, como a disputa entre priorizar produto nacional mais caro ou estrangeiro mais barato acabaram sem solução na novel legislação. Desse modo, podemos concluir que, embora tenha avançado em alguns aspectos, principalmente relacionados à governança, simplificação e uniformização do procedimento licitatório, a nova Lei de Licitações e Contratos se preocupou muito mais com a Administração do que com os licitantes, deixando muitos desafios para o futuro e, sem sombra de dúvidas, assim como ocorreu com sua antecessora, acabará necessitando de aprimoramento com o passar do tempo, desafio que ficará à cargo do Poder Legislativo, restando apenas saber se a falta de inspiração que apareceu no texto original não irá comprometer a celeridade nas tão esperadas e necessárias mudanças, quando essas forem outra vez demandadas perante o legislativo. Notas: 1 – De acordo com pesquisa do Observatório da Nova Lei de Licitações < http://www.novaleilicitacao.com.br/> Acesso em: 10/02/2021. 2 – Op Cit. 3 – Lei nº 14.133/2021 4 – Idem 5 – ARAÚJO, Aldem Johnston Barbosa. O que muda com a nova Lei de Licitações Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2021-abr-08/aldem-johnston-muda-lei-licitacoes> Acesso em: 08/04/2021. 6 – O procedimento de manifestação de interesse – PMI consiste em um instrumento propiciador da cooperação privada na construção do ato convocatório e anexos de um eventual procedimento licitatório, por meio do qual a administração pública, a partir da exposição de suas demandas, recebe estudos, levantamentos, investigações ou projetos que deverão, para fins de real aproveitamento, passar pelo crivo do ente demandante. O fundamento legal encontra-se sobretudo no art. 21 da Lei n° 8.987/1995, a Lei das Concessões. o PMI possibilita que a administração pública, reconhecendo sua limitação em, isoladamente, construir os documentos necessários que balizarão possível futuro certame e a contratação pretendida, realize chamamento público para o desenvolvimento de projetos, levantamentos, investigações ou estudos, por pessoa física ou jurídica de direito privado, com a finalidade de subsidiar a estruturação desses empreendimentos. Referências ARAÚJO, Aldem Johnston Barbosa. O que muda com a nova Lei de Licitações Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2021-abr-08/aldem-johnston-muda-lei-licitacoes> Acesso em: 08/04/2021. BRASIL, SENADO FEDERAL, Lei nº 14.133/2021 Observatório da Nova Lei de Licitações Disponível em: < http://www.novaleilicitacao.com.br/> Acesso em: 10/02/2021 Rodrigo Vieira das Neves de Arruda responde pela área de Regulatório e Energia do Escritório Pinheiro Pedro Advogados. Advogado formado pelo IBMEC – Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais – RJ e Mestre em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica – PUC/SP, é membro efetivo da Comissão de Direito da Energia da OAB/SP e professor dos Cursos de Especialização em Direito da Universidade Cândido Mendes (UCAM). Foi assessor da Procuradoria Federal na ANP – Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. Autor de várias obras publicadas, com destaque para o “Vade Mecum da Infraestrutur do Petróleo” e “Dicionário Jurídico do Petróleo” (ambos pela Ed. Riedeel – co-autor). Detentor do “Prêmio IBMEC de Excelência Acadêmica (2015).
11 out., 2021
No campo jurídico ambiental, a expressão inglesa Due Diligence (diligência devida ou diligência prévia), envolve um processo de investigação, levantamento e análise de diversos documentos afetos à área do empreendimento, sua operação e riscos envolvidos (passivo ambiental por área contaminada, por exemplo). A Due Diligence Legal-Ambiental surgiu da necessidade em estabelecer segurança jurídica estratégica às operações e atividades em desenvolvimento, tornando o empreendimento menos vulnerável à ação fiscalizatória pontual. A realização desse trabalho, de cunho preventivo, promove a oportunidade de mapear os riscos jurídico-ambientais do empreendimento, visando o conhecimento e o domínio das questões ambientais que lhe são afetas, fator que agregará valor à empresa e facilitará a obtenção de futuros investimentos. Afora análise da legislação ambiental aplicável e verificação da sua conformidade com o empreendimento ou área a ser adquirida (nos níveis federal, estadual e municipal), a equipe jurídica ambiental contratada avaliará uma série de documentos relevantes, tais como licenças ambientais e urbanísticas, autorizações, termos de compromisso, relatórios e laudos técnicos, autos de infração ambiental, etc. Esse mapeamento poderá ser realizado em diversas fases do empreendimento, quais sejam: fase de planejamento/elaboração do projeto; fase de negociação para aquisição de um imóvel; durante o procedimento de licenciamento ambiental em curso; nos empreendimentos em operação ou aqueles já encerrados. Além da identificação das vulnerabilidades legais e mapeamento de potenciais riscos jurídico-ambientais no desenvolvimento das atividades, ao final do trabalho, a Due Diligence Legal-Ambiental deve traçar Plano de Ação para redução dessas vulnerabilidades e resolução dos conflitos ambientais de forma eficaz. Ao final da Due Diligence Legal-Ambiental, de forma clara e objetiva, é elaborado Relatório Jurídico para cada unidade/empreendimento que identifique a situação da empresa perante a legislação ambiental aplicável, apontando suas vulnerabilidades, potenciais riscos legais e medidas efetivas para resolver cada questão. A tradição do escritório Pinheiro Pedro Advogados na arquitetura de soluções jurídicas ambientais e formulação de estratégias na condução de processos, conta com profissionais qualificados e experientes para realização deste serviço. 
11 set., 2021
O MODELO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS BRASILEIRAS E A NECESSIDADE DE EQUILÍBRIO ENTRE AS DECISÕES TÉCNICAS E POLÍTICAS Por Rodrigo Vieira das Neves de Arruda Sumário: Intrudução;1- Agências Reguladoras no Brasil: Histórico e Características; 2- O Modelo Tecnocrata;3- Tecnocracia e Agências Reguladoras; Considerações Finais; Referências Resumo O presente trabalho busca analisar o modelo das Agências Reguladoras brasileiras e a necessidade de um equilíbrio entre as decisões técnicas e políticas no âmbito delas. Para isso, parte do histórico das Agências Reguladoras no Brasil, passa pela teoria Tecnocrata, suas peculiaridades e riscos para o Estado, após isso, relaciona o caráter técnico das Agências com essa teoria, fazendo o contraponto com a democracia e a política, por fim, trata da participação popular nas Agências Reguladoras e conclui por uma necessidade de modernização do modelo. Palavras-chave: Agências Reguladoras; Intervenção do Estado; Economia; Tecnocracia; Democracia; Política; Participação popular; Controle. Abstract This paper seeks to analyze the model of Brazilian Regulatory Agencies and the need for a balance between technical and political decisions within them. For that, part of the history of the Regulatory Agencies in Brazil, goes through the Technocrat theory, its peculiarities and risks to the State, after that, it relates the technical character of the Agencies with this theory, making the counterpoint with democracy and politics, finally , deals with popular participation in Regulatory Agencies and concludes that there is a need to modernize the model. Keywords: Regulatory Agencies; State intervention; Economy; Technocracy; Democracy; Policy; Popular participation; Control. Introdução Com o término do Absolutismo, e a limitação ao poder do Soberano, os indivíduos foram alçados à uma posição de maior destaque em relação ao Estado, prevalecendo, no campo do direito, as relações privadas. Contudo, nos últimos tempos, o Estado passou a exercer, novamente, um papel cada vez maior nas sociedades, sendo um dos principais atores das economias globais, e quando falamos dos países emergentes, seu papel se mostra ainda maior. Seja com intervenção na economia ou sobre a economia. Nessa esteira, o “Leviatã contemporâneo 1 ” buscou diversos instrumentos para se modernizar e acompanhar o ritmo das empresas/mercados que pretendia atuar e/ou fiscalizar e a busca por especialização se tornou inevitável. Assim, surgem, dentre outras, as Agências Reguladoras, uma espécie de “tecnocracia” capaz de regular as complexidades dos setores econômicos hodiernos. No caso brasileiro, sua história se inicia em meados da década de 1990, pelo do fato de que a retirada do Estado brasileiro das atividades de produção direta de bens e prestação de serviços – redução do papel de “Estado-empresário” – ampliou sobremaneira a relevância da intervenção estatal regulatória nos setores que passaram a ser explorados pela iniciativa privada (intervenção do Estado sobre a economia). No caso brasileiro, as agências surgiram para regular setores que antes eram umbilicalmente ligados ao aparelho estatal e lhe foi garantida autonomia dos agentes políticos tradicionais, contudo, isso acabou gerando novos desafios para equilibrar essas noveis instituições, como, por exemplo, aumentar a participação popular e dos agentes regulados na definição das políticas e regras elaboradas por elas, bem como o controle dos atos praticados por seus agentes, além de trazer à balia o debate do Estado técnico, e quão benéfico/maléfico isso seria. Desse modo, o presente trabalho busca analisar a necessidade de um equilíbrio entre as decisões técnicas e políticas e, para tanto, parte da criação das Agências Reguladoras no Brasil, passa pela teoria Tecnocrata, suas peculiaridades e riscos para o Estado, após isso, relaciona o caráter técnico das Agências com essa teoria, fazendo o contraponto com a democracia e a política, por fim, trata da participação popular nas Agências Reguladoras e conclui por uma necessidade de modernização do modelo. 1- Agências Reguladoras no Brasil: Histórico e Características A partir de meados da década de 1990, chegava-se ao fim da era de intervenção expressiva do Estado diretamente na economia. Nas últimas décadas o processo de crescimento estatal para o fornecimento de bens e serviços se inverteu em todo o mundo e foi iniciada uma onda de privatizações que se apoiaram, de uma forma ou de outra, na existência de entidades e órgãos independentes que regulavam determinados setores da economia, privilegiando a intervenção estatal sobre a economia 2 . A justificativa para esse novo fluxo foi o crescimento distorcido do Estado, que, no processo de globalização, “entrou em crise e se transformou na principal causa da redução das taxas de crescimento econômico, da elevação das taxas de desemprego e do aumento da taxa de inflação que, desde então, ocorreram em todo o mundo” 3 . E, no Brasil, não foi diferente, com o aparecimento de teorias jurídicas para acompanhar as mudanças dos cenários internacional e nacional, colocando a desestatização de diversas empresas de âmbito federal como solução da má gestão pública. O processo brasileiro de privatizações se iniciou de forma diversa daquela ocorrida no restante do globo, pois não se valeu da existência prévia de entidades e órgãos de regulação, os quais só foram criados após a privatização de diversos setores, tais como: telefonia, energia elétrica e petróleo. Ainda que tardias, as Agências Reguladoras brasileiras vieram como uma solução para a incapacidade do Estado de manter o padrão regulatório utilizado nos anos anteriores 4 . Nesse sentido, Alexandre Santos de Aragão nos ensina que a especialização dessas entidades representou uma solução para tentar minimizar o déficit do Estado frente à “emergente realidade socioeconômica multifacetária” com a qual o país se deparou 5 . Conforme analisa Marçal Justen Filho, a interpretação original da Ordem Econômica contida na Constituição da República de 1988 e a diferenciação entre os conceitos de serviço público e de atividade econômica (sentido estrito) relacionam-se com uma concepção providencialista, que presume a existência de distinção absoluta entre os dois conceitos. No entanto, os modelos de interpretação jurídica e de concepções doutrinárias da ordem econômica contidos na carta maior foram ultrapassados pela dinâmica dos fatos. Desse modo, os processos de privatização e de reforma do Estado brasileiro não foram acompanhados pelo desenvolvimento de soluções jurídicas para a etapa posterior 6 . Assim, as agências independentes se mostraram como uma aproximação entre o direito e a economia que transformaram o Direito Público para que esse consiga aceitar a multiplicidade de fontes normativas7. Em decorrência da necessidade de estabilidade econômica, o bastante para atrair investimentos de capitais estrangeiros em diversos setores da economia (em especial os de infraestrutura), inspiradas no sistema norte-americano foram criadas as Agências Reguladoras, no intuito de regularem os serviços públicos de competência da União, afastando do marco regulatório as ideologias político-partidárias8. No Brasil levou-se quase uma década para que a doutrina conseguisse entender e explicar a reinvenção da administração pública quando da transformação do sistema burocrático interventivo direto para um modelo gerencia9. A coordenação do sistema econômico no capitalismo está dividida entre o mercado e o Estado e, sempre que surge alguma crise, é desencadeada por falha de alguns desses agentes: a “Grande Depressão dos anos 30 decorreu do mau funcionamento do mercado, a Grande Crise dos anos 80, do colapso do Estado Social do século vinte”10. Para Bresser Pereira 11 , a crise brasileira da década de 80, que se arrastaria por quase toda a década de 90, é uma crise do Estado oriunda do desajuste fiscal que esgota a conduta intervencionista, tornando premente a agenda de reformulação do Estado. Continua o autor expondo que essa reformulação estaria de acordo com as diretrizes emanadas de organismos internacionais, os quais dispunham que o Estado deveria diminuir sua ação intervencionista, voltando-se para aquelas que lhe são específicas. Desse modo, para o autor, os componentes básicos para a reforma do Estado são quatro: (a) A delimitação das funções do Estado, reduzindo seu tamanho em termos principalmente de pessoal através de programas de privatização, terceirização e publicização (este último processo implicando a transferência para o setor público não-estatal dos serviços sociais e científicos que hoje o Estado presta); (b) A redução do grau de interferência do Estado ao efetivamente necessário através de programas de desregulação que aumentem o recurso aos mecanismos de controle via mercado, transformando o Estado em um promotor da capacidade de competição do país a nível internacional ao invés de protetor da economia nacional contra a competição internacional; (c) O aumento da governança do Estado, ou seja, da sua capacidade de tornar efetivas as decisões do governo, através do ajuste fiscal, que devolve autonomia financeira ao Estado, da reforma administrativa rumo a uma administração pública gerencial (ao invés de burocrática), e a separação, dentro do Estado, ao nível das atividades exclusivas de Estado, entre a formulação de políticas públicas e a sua execução; e, finalmente, (d) O aumento da governabilidade, ou seja, do poder do governo, graças à existência de instituições políticas que garantam uma melhor intermediação de interesses e tornem mais legítimos e democráticos os governos, aperfeiçoando a democracia representativa e abrindo espaço para o controle social ou democracia direta12. Na redefinição das atividades exclusivas de Estado, Bresser Pereira coloca as Agências Reguladoras abaixo do núcleo estratégico e em correlação com as secretarias formuladoras de políticas públicas e as agências executivas. Dentre as atividades do Estado, a intervenção sobre o domínio econômico sempre estará presente 13 . O que muda com a reforma proposta por Bresser Pereira é que o país deixaria de atuar com tanta preponderância como um dos agentes econômicos de desenvolvimento direto, e passaria a atuar de forma indireta, ou seja, no planejamento, na regulação, no fomento e na fiscalização, isto é, o Estado deixaria de intervir tanto na economia para intervir mais sobre a economia 14 . Leciona Maria Sylvia Zanella Di Pietro que as agências brasileiras foram inspiradas nas comissões independentes dos Estados Unidos, país cuja doutrina jurídica se baseou nos seguintes elementos: a) A ideia de especialização, que foi a grande inspiradora do modelo, diante do crescimento do Estado e da complexidade das novas funções por ele assumidas; b) A ideia de neutralidade em relação aos assuntos políticos, garantida pela estabilidade outorgada aos seus dirigentes; c) A ideia de discricionariedade técnica, que era uma decorrência da especialização; por outras palavras, os assuntos técnicos, por envolverem conhecimentos especializados, eram de competência das agências, ficando livres de controle jurisdicional 15 . A criação de um poder neutro do ponto de vista das tendências políticas, utilizada originariamente na teoria jurídica americana, foi trabalhada por Alexandre Santos de Aragão como a teoria dos poderes neutrais. Esses poderes neutrais são utilizados pelo Estado, a partir de seus órgãos autônomos, para assegurar o controle e o equilíbrio das relações originárias dos titulares dos cargos eletivos, com vias a preservar os interesses maiores da coletividade 16 . Nesse sentido, o professor explica: Uma das razões para o surgimento de autoridades independentes de regulação da economia é a crise de legitimação que caiu sobre o controle político da economia por parte dos partidos políticos; a subtração de frações do poder do vértice da administração de derivação política, e a sua atribuição a estruturas dotadas de elevada competência técnica e de independência, tem o sentido de tornar mais neutra e técnica a decisão administrativa. Os mesmos argumentos utilizados na teoria jurídica americana para legitimar as entidades reguladoras independentes foram utilizados no Brasil, sem, contudo, haver a transposição integral da teoria que as legitimou e da amplitude dos poderes normativos que lá possuem 17 . A regulação iniciada no Brasil com a criação das primeiras Agências Reguladoras iniciou um novo capítulo no direito administrativo, já que a legislação as dotou de natureza jurídica de autarquia em regime especial, o que lhes confere autonomia para o exercício de suas competências: 1) autonomia administrativa, que, pela inexistência de recurso hierárquico, garante a independência técnica; 2) a autonomia financeira, com a instituição legal de receitas e rubricas próprias; 3) autonomia normativa18. Joaquim Barbosa Gomes, tomando por base o trabalho desenvolvido por Floriano Neto, também desenvolve o tema sobre a autonomia das Agências Reguladoras, afirmando que, sem o insulamento dessas entidades, elas seriam apenas novos órgãos na estrutura hierárquica do Estado, e que, para o exercício de suas funções, é necessário: (a) A independência política dos gestores, que decorre da nomeação de agentes administrativos para o exercício de mandatos a termo, o que lhes garante estabilidade nos cargos necessária para que executem, sem ingerência política do Executivo, a política estabelecida pelo Legislativo para o setor; (b) A independência técnica decisional, que assegura a atuação apolítica da agência, em que deve predominar emprego da discricionariedade técnica e da negociação sobre a discricionariedade político-administrativa; (c) A independência normativa, um instituto renovador, que já se impõe como instrumento necessário para que a regulação dos serviços públicos se desloque dos debates político-partidários gerais para se concentrarem na agência; (d) A independência gerencial, financeira e orçamentária, que completa o quadro que se precisa para garantir as condições internas de atuação da entidade com autonomia na gestão de seus próprios meios19. Garantida a possibilidade de a entidade de regulação possuir autonomia técnica e administrativa conforme tratado acima, faz-se necessário definir quais seriam suas competências básicas, que, para Floriano Neto, são: (i) Normativa, correspondente à capacidade de emitir comandos gerais e abstratos, em conformidade com a lei, mas independentemente do poder regulamentar atribuído ao chefe do Poder Executivo; (ii) Adjudicatória, consistente na prerrogativa de emissão de atos concretos voltados a admitir a integração de atores econômicos no setor regulado (v.g., licenças, autorizações, concessões, permissões) e para conferir-lhes direitos específicos (como na regulação tarifária, quando existente); (iii) Fiscalizatória, para monitorar a ação dos particulares e exigirlhes atuação conforme a ordenação do setor; (iv) Sancionatória, para reprimir condutas que discrepem dos padrões estabelecidos e coibir falhas de mercado ou violações aos direitos dos consumidores dos bens ou serviços regulados; (v) Arbitral, para dirimir conflitos entre regulados, sem prejuízo da inafastabilidade da apreciação judicial; e (vi) De recomendação, traduzida no “poder-dever” de subsidiar, orientar e informar ao poder político as necessidades de formulação ou reformulação nas políticas públicas setoriais20. E continua o autor justificando que o exercício da regulação deve envolver alta especialização, de modo a: (i) permitir maior eficácia de suas decisões; (ii) impedir decisões que, por desconhecimento das peculiaridades do setor, levem à sua desorganização; (iii) reduzir o déficit informacional entre o ente público e o agente privado, permitindo que a interlocução entre eles não seja passível de manipulação pelo mercado21. No exercício da competência normativa, é importante ressaltar que as Agências Reguladoras brasileiras, diferentemente do que ocorre no direito americano, não possuem delegação legislativa, mas tão somente competência para expedirem regulamentos complementares. Desse modo, não é lícito interpretar que da regulamentação expedida pela Agência Reguladora se possa impor aos usuários obrigações que não estejam originariamente previstas em lei 22 . Contudo, o que acontece, muitas vezes, na prática, é que as leis instituidoras das Agências Reguladoras acabam por tratar de questões da forma mais genérica e abrangente possível a fim de garantir o máximo de liberdade aos regulamentos complementares a serem expedidos futuramente, de modo que, mesmo indiretamente, há certa “delegação” revestida de autonomia. Maria Sylvia Zanella Di Pietro nos recorda que pela teoria jurídica americana, elaborada a partir de decisão da Suprema Corte, delimita-se a atuação normativa daquelas agências a partir de três premissas: a justificativa para a delegação de função normativa às agências baseou-se em verdadeiro tripé construído pela Corte Suprema: a) A lei delega essa função à agência, mas o faz limitadamente, na medida em que os regulamentos por elas baixados devem obediência aos conceitos indeterminados contidos na lei; quer dizer que se adotou o sistema da chamada lei-quadro; os regulamentos baixados pelas agências são obrigatórios, têm força de lei e podem inovar na ordem jurídica; mas têm que sujeitar-se aos standards, diretrizes, princípios, contidos na lei; daí falar-se em função quase legislativa; b) Para dar legitimidade a essa função, instituiu-se um procedimento a ser obrigatoriamente observado, seja nas decisões dos casos concretos, seja na elaboração dos regulamentos; e esse procedimento exige obrigatoriamente a participação dos interessados, em maior ou menor escala, nas várias fases de elaboração da norma, com obrigatoriedade de divulgação dos projetos, realização de audiências públicas, recebimento de sugestões, obrigatoriedade de motivação quanto à aceitação ou não dessas sugestões pela agência; vale dizer, impôs-se o devido processo legal, em sua feição adjetiva, para elaboração dos regulamentos pelas agências; c) Para aperfeiçoar o controle judicial, construiu-se a doutrina do devido processo legal assubstantivo, que permite ao Judiciário examinar, além da observância do procedimento pela agência, também a razoabilidade de suas decisões diante dos conceitos jurídicos indeterminados contidos na lei; quer dizer que a evolução do princípio do devido processo legal deu-se no sentido de tornar cada vez mais rigoroso o formalismo do procedimento, com exigências feitas pela Corte Suprema quanto à motivação, à racionalidade das decisões diante dos dados colhidos pelas agências, à relação custo benefício das medidas e normas adotadas23. Cumpre ressaltar que a atuação da Agência Reguladora na sua principal atividade – função normativa – gera na doutrina pátria alguns confrontos, em especial pelo distanciamento jurídico que existe entre os sistemas americano e brasileiro sobre o princípio da legalidade. Contudo, a principal linha utilizada pelos defensores da manutenção dessas entidades de regulação está na nova dinâmica social que deixa o Poder Legislativo atônito e o Poder Judiciário paralisado perante as frenéticas mudanças comportamentais, o surgimento de novas tecnologias e a crescente adesão a elas. Alexandre Santos de Aragão, expõe sobre o poder normativo das agências: […] o poder normativo das Agências Reguladoras, com seu dinamismo, independência, especialização técnica e valorização das soluções consensuais, deve ser valorizado como um importante instrumento de intercomunicação do sistema jurídico com os demais subsistemas sociais envolventes (econômico, familiar, cultural, científico, religioso etc 24 . Por mais que haja motivos para a especialização da nova atuação administrativa regulatória, é necessário compreender que as Agências Reguladoras trabalham em tensão com alguns temas, sendo eles, segundo Gustavo Binenbojm: (I) A tensão com o princípio da legalidade, decorrente da adoção por diversas agências da tese da deslegalização e da banalização da edição de atos normativos; (II) A tensão com o sistema de separação de poderes e de freios e contrapesos, decorrente da fragilidade dos mecanismos políticos de controle do Presidente e do Congresso, e da timidez do próprio Judiciário no controle político; (III) A tensão com o regime democrático, especialmente em decorrência da não sujeição dos administradores aos procedimentos de accountability eleitoral e da circunstância de estarem investidos em mandatos a termo, que ultrapassam os limites dos mandatos dos agentes políticos eleitos25. Representando esses temas importante contribuição para a concretização do intuito normativo das Agências Reguladoras, elas devem traçar os limites de sua atuação e de sua estrutura regulatória atendendo a determinados princípios, que se tornam instrumentos de compatibilização da função delas frente à delimitação de sua performance de controle e legitimação de seu procedimento, sendo o grande desafio das Agências Reguladoras pátrias aumentar a participação dos regulados e o controle social na formulação de suas políticas e em seus processos decisórios. 2- O Modelo Tecnocrata Não raro, aparecem na mídia referências à ascensão de governos “tecnocratas”, e muitas vezes, ao ouvirmos o termo, temos a ligeira impressão de que se cuida de algo positivo, referente a um governo “sério”, mas não temos uma ideia muito clara do que se trata. No seu sentido etimológico, tecnocracia remete a uma forma de governo dominada técnicos ou cientistas (Téchne = técnica; Krátos = governo). A tecnocracia, portanto, é a manifestação política de uma corrente doutrinária: o cientificismo 26 . Segundo ela, a tendência natural da evolução humana seria abandonar a política tal como ela é, em privilégio de formas “técnicas” de governo, livre das “influências espúrias” do mundo político. A origem do termo é bastante controversa. Alguns atribuem sua invenção à Adam Smith, pai da Economia moderna. Outros, dizem que doutrinadores franceses são os idealizadores, enquanto americanos reivindicam a originalidade do termo. Seja como for, a verdadeira tecnocracia só teve lugar a partir do século XX. É possível identificar suas raízes em governos totalitários dos anos 1930, vez que ao se optar por critérios puramente técnicos excluem-se qualquer juízo de valor ético ou moral das decisões políticas, sendo um ótimo modelo para as ditaduras justificarem suas ações. De outro giro, até mesmo em governos democráticos, como nos Estados Unidos dos anos 50/60, auge do welfare state, é possível encontrarmos traços da tecnocracia. Robert McNamara27 pode ser citado como um típico exemplo de tecnocrata28. Segundo a ordem tecnocrata, técnicos e cientistas dos mais diversos ramos do conhecimento passariam a ocupar, paulatinamente, espaços no organograma estatal. Com o tempo, a ciência se elevaria naturalmente a posições de maior relevo, até conquistar por completo o poder político. Uma vez instalada nos altos círculos da República, a tecnocracia se encarregaria de conduzir a Nação ao desenvolvimento pleno, pois suas opções sempre seriam guiadas por critérios tecnocientíficos, imunes a pressões de qualquer ordem 29 . O que a tecnocracia oferece de mais vantajoso é justamente aquilo que representa seu maior risco: o abandono completo das opções políticas. Como o tecnocrata não atende a nenhum mestre senão a ciência, não está vinculado à princípios ou valores de ordem ética ou moral. Ao contrário do político, que tem de dar satisfações ao seu eleitor a cada quatro anos, o tecnocrata fará o que entender certo, mesmo que isso conduza ao desastre, pois não depende do povo para ocupar o seu cargo. Portanto, um governo verdadeiramente democrático não pode se cercar apenas de tecnocratas, mas deve buscar o equilíbrio entre estes e os políticos tradicionais. 3- Tecnocracia, Agências Reguladoras e Interesse Público No contexto do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, em 1995, surgiu a figura das agências reguladoras no Brasil, fortemente inspiradas pelo modelo de agência norte-americano. Inicialmente, representavam a esperança em uma administração pública mais imparcial e eficiente, livre da influência política e alinhada com os países mais avançados do mundo. Entretanto, nesses mais de vinte anos desde a criação desse modelo, alguns problemas se mostraram evidentes: indicação política dos presidentes e diretores, influência do Mercado nas indicações (Mercado + Política = dominação “financeirizada e mercadolítica”), ausência de concurso público para o preenchimento dos seus cargos, maior defesa dos interesses dos governantes do que do governo, maior defesa do mercado que dos consumidores, partidarização das indicações, debilidade das entidades dos consumidores, uso da coisa pública para fins privados, contribuição para o aumento do custo Brasil30, entre muitos outros31. Nesse sentido, o Ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso fala em “deformação das agências em virtude do loteamento político” e complementa que agências reguladoras politizadas não geram segurança jurídica que é fundamental seja para a observância dos contratos, seja para o alavancamento dos investimentos e do crescimento econômico. Não contribuem, ademais, para o rigoroso controle fiscal que necessitamos, nem para o aprimoramento da democracia 32 . Além disso, outro desafio enfrentado pelas Agências Reguladoras, como já registrado anteriormente, é a falta de efetividade da participação popular e dos setores regulados na elaboração de seus normativos bem como na definição de suas políticas estratégicas. Isso se deve ao fato de que, embora os instrumentos de participação existam, na pratica acabam sendo, apenas, pro forme, tendo em vista que muitas Agências buscam, quando possível, ignorar as sugestões apresentadas pela sociedade civil. Justamente nesse cenário político-jurídico, surgiu a Lei nº 13.848, de 25 de junho de 2019, que “dispõe sobre a gestão, a organização, o processo decisório e o controle social das agências reguladoras”, além de determinar a regulamentação do conteúdo e metodologia da análise de impacto regulatório, buscando solucionar a questão 33 . Considerações Finais O processo de modernização do Estado brasileiro foi marcado pela predominância da tecnocracia sobre a democracia, o que nunca contribuiu verdadeiramente para a efetivação de uma administração pública transparente e eficiente. Quando levamos em conta a quantidade de ações judiciais promovidas (quase 5 milhões em setores regulados pelas Agências, desde 2015 34 ), é evidente que as Agências Reguladoras precisam ser reformadas. Isso não significa dizer começar tudo do zero, mas, ao contrário, o que deve-se buscar é o equilíbrio entre a tecnocracia e a política, a fim de que as Agências Reguladoras mantenham seu caráter especializado com seus quadros qualificados, e, também, atendam aos anseios da nação. Assim, é necessário um importante debate de modo a garantir que os processos decisórios estatais sejam marcados, ao mesmo tempo, pela fundamentação crítica e tecnocientífica, mas sem deixar de ter como norte os princípios e valores constitucionais. É preciso também assegurar que os recursos destinados às Agências Reguladoras, sejam gastos com eficiência, ampliando a participação e o controle da sociedade civil capaz de garantir que tais políticas estejam realmente voltadas para o interesse público. Notas 1. Referência à obra de Thomas Hobbes de 1651. 2. ARAGÃO, Alexandre Santos de. O poder normativo das agências reguladoras independentes e o Estado Democrático de Direito. Revista de Informação Legislativa. Brasília, n. 148, a. 37, outubro / Dezembro 2000. Disponível em: . Acessado em: 02 de fevereiro de 2021. 3. BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. Administração Federal e Reforma do Estado. Cadernos MARE, Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, Brasília, DF, 1997. Pág. 7. 4. GOMES, Joaquim B. Barbosa. Agências Reguladoras: A “Metarmofose” do Estado e da Democracia (uma Reflexão de Direito Constitucional e Comparado). In BINENBOJM, Gustavo. Agências Reguladoras e Democracia. Rio de Janeiro – RJ: Lumen Juris, 2006. p. 21-58. 5. ARAGÃO, Alexandre Santos de. O poder normativo das agências reguladoras independentes e o Estado Democrático de Direito. Revista de Informação Legislativa. Brasília, n. 148, a. 37, outubro / Dezembro 2000. Disponível em: . Acessado em: 02 de fevereiro de 2021. 6. FILHO, Marçal Justen. O Direito das Agências Reguladoras Independentes. São Paulo: Dialética, 2002. 7. ARAGÃO, Alexandre Santos de. O poder normativo das agências reguladoras independentes e o Estado Democrático de Direito. Revista de Informação Legislativa. Brasília, n. 148, a. 37, outubro / Dezembro 2000. Disponível em: . Acessado em: 02 de fevereiro de 2021. 8. FILHO, Marçal Justen. O Direito das Agências Reguladoras Independentes. São Paulo: Dialética, 2002. 9. Op. Cit. 10. BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. Administração Federal e Reforma do Estado. Cadernos MARE, Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, Brasília, DF, 1997. Pág. 9. 11. Op. Cit. 12. Op. Cit. Págs. 10/11. 13. Idem. Pág. 24. 14. BARROSO, Luís Roberto. Agências Reguladoras. Constituição, transformações do Estado e Legitimidade Democrática. In BINENBOJM, Gustavo. Agências Reguladoras e Democracia. Rio de Janeiro-RJ: Lumen Juris, 2006. p. 59-88. 15. DI PIETRO, Maria S. Z. Regulação, Poder Estatal e Controle Social. Revista de Direito Público da Economia RDPE. Belo Horizonte, n. 11, ano 3 Julho/Setembro 2005 Disponível em: . Acesso em: 21 agosto 2020. 16. ARAGÃO, Alexandre Santos de. A legitimação Democrática das Agências Reguladoras. In BINENBOJM, Gustavo. Agências Reguladoras e Democracia. Rio de Janeiro-RJ: Lumen Juris, 2006. Pág 18. 17. Op. Cit. 18. NETO, Floriano A. M. A regulação no setor de saneamento. In MINISTÉRIO DAS CIDADES. SECRETARIA NACIONAL DE SANEAMENTO AMBIENTAL. Lei Nacional de Saneamento Básico: Perspectivas para as Políticas e Gestão dos Serviços Públicos. Brasília, 2011, Livro I, p. 167-195. 19. GOMES, Joaquim B. Barbosa. Agências Reguladoras: A “Metarmofose” do Estado e da Democracia (uma Reflexão de Direito Constitucional e Comparado). In BINENBOJM, Gustavo. Agências Reguladoras e Democracia. Rio de Janeiro – RJ: Lumen Juris, 2006. Págs 35/36. 20. NETO, Floriano A. M. A regulação no setor de saneamento. In MINISTÉRIO DAS CIDADES. SECRETARIA NACIONAL DE SANEAMENTO AMBIENTAL. Lei Nacional de Saneamento Básico: Perspectivas para as Políticas e Gestão dos Serviços Públicos. Brasília, 2011, Livro I, págs. 182/183. 21. Op. Cit. Pag. 185. 22. ARAGÃO, Alexandre Santos de. A legitimação Democrática das Agências Reguladoras. In BINENBOJM, Gustavo. Agências Reguladoras e Democracia. Rio de Janeiro-RJ: Lumen Juris, 2006. p. 1-20. 23. DI PIETRO, Maria S. Z. Regulação, Poder Estatal e Controle Social. Revista de Direito Público da Economia RDPE. Belo Horizonte, n. 11, ano 3 Julho/Setembro 2005 Disponível em: . Acessado em: 21 agosto 2020. 24. ARAGÃO, Alexandre Santos de. O poder normativo das agências reguladoras independentes e o Estado Democrático de Direito. Revista de Informação Legislativa. Brasília, n. 148, a. 37, outubro / Dezembro 2000. Disponível em: . Acessado em: 02 de fevereiro de 2021. 25. BINENBOJM, Gustavo. Agências Reguladoras Independentes e Democracia no Brasil. In BINENBOJM, Gustavo. Agências Reguladoras e Democracia. Rio de Janeiro – RJ: Lumen Juris, 2006. p. 89-110. 26. Cientificismo ou cientismo é a tendência intelectual ou concepção filosófica de matriz positivista que afirma a superioridade da ciência sobre todas as outras formas de compreensão humana da realidade (religião, filosofia, metafísica, etc.), por ser a única capaz de apresentar benefícios práticos e alcançar autêntico rigor cognitivo. Assim, preconiza o uso do método científico, tal como é aplicado às ciências naturais, em todas as áreas do saber (filosofia, ciências humanas, artes etc.). Segundo Karl Popper, o cientificismo é a crença dogmática na autoridade do método científico e nos seus resultados. O termo também implica a atitude de atribuir valor altamente positivo ao papel da ciência no desenvolvimento da cultura em particular, e da sociedade em geral. No entanto esta tendência muitas vezes é entendida de modo pejorativo, como uma forma extrema de valorização da ciência ou estreitamente relacionada com o positivismo lógico, por ter sido usado por cientistas sociais como Friedrich Hayek, filósofos da ciência como Karl Popper e Hilary Putnam, ou historiadores das ideias, como Tzvetan Todorov, para descrever o apoio dogmático ao método científico e a redução de todo o conhecimento a tudo o que é mensurável. Esta tendência intelectual de matriz positivista preconiza a adoção do método científico, tal como é aplicado às ciências naturais, em todas as áreas do saber e da cultura (filosofia, ciências humanas, artes, etc.), e tem sido geralmente interpretada de maneira depreciativa. Por outro lado, os defensores do cientificismo, entre eles o filósofo da ciência Mario Bunge, o historiador da ciência Michael Shermer e o filósofo Daniel Dennett, afirmam que a ideia do cientificismo não é ser uma doutrina que defenda a aplicação da ciência em todos os níveis, mas uma visão de que a ciência é o melhor caminho que existe para conhecer o mundo e possibilitar o desenvolvimento tecnológico. 27. Robert Strange McNamara (São Francisco, 9 de junho de 1916 – Washington, D.C., 6 de julho de 2009) foi um empresário e político norte-americano que serviu como o 8º Secretário de Defesa dos Estados Unidos de 1961 a 1968 durante as presidências de John F. Kennedy e Lyndon B. Johnson, período em que ele teve um importante papel no aumento do envolvimento norte-americano na Guerra do Vietnã. Depois de sair do cargo ele serviu como presidente do Banco Mundial até 1981. McNamara foi o responsável por instituir a análise de sistemas na política pública, que se desenvolveu no que hoje é conhecido como análise política. Ele consolidou as funções de inteligência e logística do Departamento de Defesa em duas agências: a de Inteligência de Defesa e a de Logística de Defesa. Antes de entrar na política, McNamara foi um dos veteranos da Segunda Guerra Mundial que ajudou a Ford Motor Company a se reerguer depois do conflito, brevemente servindo como seu presidente antes de se tornar Secretário de Defesa. 28. CAPLAN, B. The myth of the rational voter: why democracies choose bad policies. Princeton, NJ: PUP, EUA, 2007. 29. Op. Cit. 30. Nesse sentido, podemos destacar, a título de exemplo, que nos dois primeiros contratos de Patilha de Produção, segundo os cálculos oficiais da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP, cerca de 75% do Petróleo ficaria para a União. 31. JACINT Jordana e LEVI-FAUR David, “¿Hacia un Estado regulador latinoamericano? La difusión de agencias reguladoras autónomas por países y sectores”, Documentos CIDOB, Barcelona, 2005. Disponível em www.cidob.org/es/content/download/2759/24123/file/doc_americalatina_7.pdf. Acesso em: 010/2/2021. 32. ___________ Agências reguladoras perderam seu papel, diz Barroso. Revista Exame, Publicado em: 21/08/2014 às 15h20. Disponível em: < https://exame.com/economia/agencias-reguladoras-perderam-seu–papel-diz-barroso/ > Acesso em: 02/02/2021. 33. Ainda é cedo para podermos afirmar categoricamente se a lei em epígrafe ira solucionar o problema, entretanto, é uma sinalização positiva em relação à segurança jurídica, contribuindo para atrair mais investimentos para o país. 34. Ver: IstoÉ de 13/02/2019. Referências Bibliográficas ___________ Agências reguladoras perderam seu papel, diz Barroso. Revista Exame, Publicado em: 21/08/2014 às 15h20. Disponível em: < https://exame.com/economia/agencias-reguladoras-perderam-seu–papel-diz-barroso/ > Acesso em: 02/02/2021. ANDRADE. Letícia Queiroz de. Poder normativo das agências reguladoras (legitimação, extensão e controle). Revista Brasileira de Direito Público RBDP. Belo Horizonte, n. 15, ano 4, Outubro/Dezembro 2006 Disponível em: . Acessado em: 03 de setembro de 2020. ARAGÃO, Alexandre Santos de. A legitimação Democrática das Agências Reguladoras. In BINENBOJM, Gustavo. Agências Reguladoras e Democracia. Rio de Janeiro-RJ: Lumen Juris, 2006. p. 1-20. ARAGÃO, Alexandre Santos de. 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